Cadastre seu e-mail e receba as atualizações do Blog:

Mostrando postagens com marcador Luiz Marenco. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Luiz Marenco. Mostrar todas as postagens

Silêncio e Pedra

Silêncio e Pedra
(Lisandro Amaral, Aluísio Rockembach)

Silêncio e pedra, molho a alma qual o rio
Canoa e remo, misterioso igual tajã,
Temendo as chuvas, pesco aos olhos veraneiros
De um céu inteiro, que reflete o Camaquã

Andei no tempo igual as águas, nada mais
Por tempo sei que os meus silêncios pensadores
Igual a tantos que remando anoiteceram
Silêncio e pedra um tanto mais que pescadores

Alma e rio, dorme o cio de quem passou
Junto a barranca que me viu, silêncio e medo
Alma em cio, sabe o rio que em mim plantou
Água e vida que se escapam pelos dedos.

Silencio e pedra, molho a vida em meio ao rio
Remo e canoa, mais alerta que um tajã
Temendo os ventos, sonho aos olhos veraneiros
De um mundo inteiro, que remei no Camaquã

Andei no tempo igual as águas, nada mais
Por tempo sei que os meus silêncios pensadores
Igual a tantos que remando anoiteceram
Silêncio e pedra um tanto mais que pescadores

Alma e rio, dorme o cio de quem passou
Junto a barranca que me viu, silêncio e medo
Alma em cio, sabe o rio que em mim plantou
Água e vida que se escapam pelos dedos.


Dúvidas Brasinas

Dúvidas Brasinas
(Jayme Caetano Braun, Lúcio Yanel)

Meu irmão de crinas brancas
D'onde vem a rebeldia
Das gerações de hoje em dia
Subindo pelas barrancas

Será que são diferentes
Que as nossas rebeldias
Usando outras geografias
Sonhando outros continentes

Será que com sol e vento
Nosso couro se curtisse
E a gente ao menos não visse
Que somos frutos do tempo

Será que ao matar fronteiras
Aos filhos e descendentes
Não fomos imprevidentes
Esquecendo outras maneiras

Será que cuidando a lida
Com rubeis e cavalos
Esquecemos de norteá-los
Para as tropeadas da vida

Que será que mudou tanto
Meu irmão crina prateada
De onde vem esta tonada
E essa revolta no canto

Será que nos excedemos
Ao falar em liberdade
Quando foi fraternidade
A herança que recebemos

Nestas dúvidas brasinas
Eu penso correr das luas
Será, meu irmão de crinas
Que não perdemos as duas?

Será, meu irmão de crinas
Que não perdemos as duas?


Querência, Tempo e Ausência

Querência Tempo e Ausência
(Luiz Marenco, Jayme Caetano Braun)

No cartão de procedência
Pouco importa onde nasci
Busquei rumo e me perdi
Querência minha querência
Desde então me chamo ausência
Porque me apartei de ti

Como um cavaleiro andante
Das léguas que caminhava
Sempre que me aproximava
Dos sonhos correndo adiante
Mas me sentia distante
Daquilo que procurava

Quem vira mundo não para
Nem tão pouco desanima
Há uma lei que vem de cima
Na estrada do tapejara
Tempo que nos separa
É que mais nos aproxima
Quem vira mundo não para
Nem tão pouco desanima

E neste andejar em frente
Sem procurar recompensa
Fui vendo na diferença
Entre passado e presente
Que a lembrança de um ausente
Tem mais força que a presença

Já no final da existência
Saudade tempo e distancia
Pra conservar a fragrância
Da primitiva inocência
Me tornei canto de ausência
Querência da minha infância
Quem vira mundo não para...


De Estância e Saudade

De Estância e Saudade
(Guilherme Collares, Zulmar Benitez)

Senti um nó na garganta
Quando saí da querência...
Tantas memórias recuerdos,
Que a alma velha acalanta,
E passam despercebidos!
Só se fazendo presentes
Quando a saudade maleva,
No peito sente a distância...

Acácia velha da estância,
Do adeus da m’ia partida,
Esperançava um retorno
Com flores amareladas,
No galpão dos meus arreios
Pelas guascas engraxadas,
Domavam potrada alçada
No lombo dos meus anseios.

Quando mirei as esporas,
Estrelas largas de sonhos
Pelas formas das rosetas,
Senti que a vida aragana
Também rodava dispersa
Como os destinos emersos.
Nas tristezas das partidas
E alegrias dos regressos!

Cada pedra do terreiro
Relembrava qualquer coisa
De algum passado remoto.
Num recuerdo caborteiro!
E a alma velha da estância
Gritava, em todos os lados,
Em contrapontos calados
Aos berros das minhas ânsias.

Da tropilha do destino,
Embuçalei a saudade
Que já vinha laço a fora
Na mangueira da m’ia alma.
Não tive sorte na doma!
E hoje, é potro caborteiro
Que, corcoveia no peito
Quando um recuerdo retoma...



De Estância e Saudade by guascaletras

Sonho Em Flor

Sonho Em Flor
(Gujo Teixeira, Luiz Marenco)

Faz tempo que eu madrugo versos quase sem querer
Pra alma recordar seu jeito de não te esquecer...
E trazer para o redor do fogo mais lembranças tuas
Dessas que a gente, depois das luas,
Cevava um mate pra amanhecer.

Parece até que o mesmo mate esqueceu seu gosto
Depois que uma velha saudade repontou teu rosto...
E um jeito que trazia o brilho de olhar moreno
Chegou povoando meus sonhos pequenos
Que tinham cismas de serem teus.

Ah! Minha flor pequena...
(Dessas que nascem pelos rincões)
Trazendo a graça das corticeiras
Enfeita a tarde por ser tão bela.
Deixa meu sonho acordar o teu
E o meu silêncio te adormecer
Quando a saudade vier me ver
Com teu sorriso...
...Na minha janela.

Sempre que meus sonhos tantos saem por aí
E levam junto minha alma pra perto de ti...
Eu guardo bem os meus silêncios porque eles sabem que são só meus
E quase já não cabem na casa grande do coração.

E eu que andei tão distante me encontrei em mim
Sem mesmo perceber que a vida pode ser assim...
Ter a graça de uma flor bonita, dessas corticeiras
E ao mesmo tempo ser por inteira
Aquilo tudo que já sonhou

Ah! Minha flor pequena...
Que traz guardada sonhos demais
Deixa que a alma mostre teu rumo
Que anda hoje perto do meu.
Traz teu sorriso de flor vermelha
E aquele brilho do teu olhar
Toda saudade pra se matar...
Que o dia ainda...
...Não anoiteceu!!



Luiz Marenco- Sonho Em Flor by Guascaletras

À Meia Tarde No Açude

À Meia Tarde No Açude
(Davi Teixeira, Tiago Abibb)

Meio janeiro, meia tarde, céu inteiro
Tahãs, marrecas cada qual mais tagarela
Um touro berra em comando à sua esquadra
Que avança lenta até bater meia costela

Ali se plantam ancorados junto à taipa
Tendo por diante a cerca viva de aguapé
E logo ao lado em alambrado imaginário
Vai demarcando território um jacaré

Cerco fechado apequenando a invernada
E de lambuja um lambarizal nos jarretes
E o gadario não se assusta, mas entende
Que atropa miúda requisita o ambiente

Trocam olhares preguiçosos assolhados
Equanto a eguada bóca firme a boiadeira
E um quero-quero lá no alto da coxilha
Toca um clarim reconvocando a tropa inteira

Enfileirados, passo a passo sem alarde
Na mesma marcha lá se vão campeando um verde
Mas amanhã no mesmo sol à meia tarde
Retornarão pra saciar calor e sede

Fiel visagem rotineira de campanha
Que enche os olhos de quem busca a quietude
Pra esses campeiros que recorrem todo dia
Passa batida a sesmaria do açude

Meio janeiro, meia tarde, céu inteiro



A Meia Tarde no Açude - Jean Carlos Kirchoff by Guascaletras

Estampa Domingueira


Estampa Domingueira
(Alex Silveira, Carlos Madruga)
                     
Linda minha estampa domingueira
Quando chego no povoado
Trago além da minha fronteira
Uma sina musiqueira
De quem vem contrabandeado.

Bueno este potro de rendilha
Num trancão de pisa-flor
De uma pelagem tordilha
Traz a origem da tropilha
Pela mão do domador.

Chego, já na frente da janela
De um ranchito bem cuidado
Assoviando algo pra ela
Que esta copla tão singela
Eu compus pra o seu agrado.

Olhos de pealar um coração
Na minha vida tão pequena
Do aguapé de um lagoão
Trago a flor do meu rincão
Pra o cabelo da morena.

Pra estância que vou cantando uma tirana
Mas eu sei que vou voltar
Que passe logo a semana
Pois deixei pra queromana
Meu pala pra ela guardar.

Bueno este potro de rendilha
Num trancão de pisa-flor...


No Calor das Labaredas


No Calor das Labaredas
(Gujo Teixeira, Érlon Péricles)

Vou guardar estes momentos
Que há muito tempo procuro
No mesmo clarão maduro
Da lua potra sinuela
Que repontou uma estrela
Pra me guiar no escuro.

E a mesma noite que antes
Era silêncio e tapera
Já floresceu primaveras
Pelos campos da morada
Pondo rosas coloradas
No caminho das esperas.

E o rancho se encheu de risos
E o vazio virou oposto
Para os rigores do agosto
Que me mostraram depois
Que o mate tomado a dois
Sempre tem o melhor gosto.

Então quando os meus olhos
Campeiam os dela por perto
Revelam o rumo certo
Pra um coração sem fronteiras
Que às vezes acha porteiras
Mesmo estando liberto.

Quando chega a madrugada
Vestindo rendas e sedas
Trazendo das alamedas
Um vento feito oferenda
Vou me aquecer junto à prenda
No calor das labaredas.


Natal Nativo


Natal Nativo
(João Fontoura)

Quando chega o Natal
Aqui no sul do país
O céu é mais azul
E o povo é bem mais feliz

A esperança se renova
No coração das pessoas
Desejo paz e saúde
E de muitas coisas boas

Então louvamos à Deus
Nosso patrão celestial
Pra que o menino Jesus
Renasça neste Natal

Que traga misericórdia
Tranquilidade e amor
E que os ranchos mais humildes
Sejam o templo do Senhor

Brotam sentido de fé
Pelas nossas pulsações
O mundo ganha mais luz
Através das orações

Que traga misericórdia
Tranquilidade e amor
E que os ranchos mais humildes
Sejam o templo do Senhor

Então louvamos à Deus
Nosso patrão celestial
Pra que o menino Jesus
Renasça neste Natal

Al Sur Tu Purajhei

Al Sur Tu Purajhei
(Martim César Gonçalves, Aluisio Rockembach)

En un boliche de pueblo
Entre grapa y cigarillos
Un criollo entona coplas
En un acordeón muy sencillo

Suena bajito un chamamé
Casi ni llega a escucharse
Después despierta y se viene
Como ñandú por los valles

Canta no más como un zorzal
Al amanecer
Hay en tu voz llovizna y sol 
Espina y miel
En tu acordeón sueña el amor
Nostalgia y fe
En sombra y luz
Sembrando al sur tu purajhei

Paisano, llaman al hombre
El apellido es cualquiera
¿Y pa’ que necesita un nombre
Quién nació como las fieras?

Son los cantores puebleros
Mezcla de voz y silencio
Que si poco tienen afuera
Tienen un mundo en sus adentros

Canta no más como un zorzal
Al amanecer
Hay en tu voz llovizna y sol 
Espina y miel
En tu acordeón sueña el amor
Nostalgia y fe
En sombra y luz
Sembrando al sur tu purajhei 


Vaneira da Bossoroca


Vaneira da Bossoroca
(Jayme Caetano Braun, Pedro Guerra)

Velha vaneira baguala que estufa os foles da gaita
Riscada de unha de taita, cheia de furo de bala
Tomando conta da sala o mesmo que lagartixa
E o chinaredo cochicha quando seu ronco se cala

Se mistura no balanço a poeira do chão batido
E os babados do vestido corcoveiam sem descanso
E o índio metido a ganso grudado a fita vermelha
Fica boqueando na orelha num jeitão de sorro manso

A fumaça do candeeiro se adelgaça e se esparrama
Perseguindo alguma dama de sorriso feiticeiro
E nunca falta um salseiro, é tradição secular
E os índios que vem mamar na garrafa do gaiteiro

Vaneira que nasceu guacha na caixa de uma cordeona
Mamando numa siá dona dessas que escondem a graxa
Andou na pampa buenacha queimada de sol e brasa
E quando não tinha casa dormia dentro da caixa

Nos comércios de carreira nos velórios e carpeta
Sob a quincha das carretas ouvindo truco e primeira
Nos bochinchos de fronteira nunca vai faltar um taita
Pra dar um talho na gaita e deixar livre a vaneira

O próprio índio que toca esta vaneira machaça
É um sacerdote da raça nas bruxarias que invoca
E os arrepios que provoca neste galope estendido
Nos levam ao chão batido dos ranchos da bossoroca


Estâncias da Fronteira


Estâncias da Fronteira
(Anomar Danúbio Vieira, Marcello Caminha)

Guardiãs de pátria, memorial dos ancestrais
Onde trevais nascem junto ao pasto verde
Sangas correndo, açudes e mananciais
Pra o ano inteiro o gadario matar a sede

Grotas canhadas e o poncho do macegal
Para o rebanho se abrigar nas invernias
Varzedo grande pra o retoço da potrada
Mostrar o viço e o valor das sesmarias

Sombras fechadas de imponentes paraísos
Onde ressojam pingos de lombo lavado
Que após a lida até parecem esculturas
Moldando a frente do galpão, templo sagrado

Pras madrugadas, mate gordo bem cevado
Canto de galo que acordou pedindo vasa
Cheiro de flores, açucena, maçanilha
E um costilhar de novilha pingando graxa nas brasas

Pra os queixos crus, os bocais dos domadores
Freios de mola pra escramuçar bem domados
E pra os turunos ressabiados de porteira
O doze braças, mangueirão dos descampados

Pra os chuvisqueiros galopeados de Minuano
Um campomar castelhano e o aba larga desabado
Pra o sol a pino dos mormaços de janeiro
Um palita avestruzeiro e o bilontra bem tapeado

Sombras fechadas de imponentes paraísos
Onde ressojam pingos de lombo lavado
Que após a lida até parecem esculturas
Moldando a frente do galpão, templo sagrado

Pras madrugadas, mate gordo bem cevado
Canto de galo que acordou pedindo vasa
Cheiro de flores, açucena, maçanilha
E um costilhar de novilha pingando graxa nas brasas

Pras nazarenas, garrão forte ... égua aporreada
Pras paleteadas o cepilhado de coxilha
Pra o progresso do Rio Grande estas estâncias
Mescla palácio com mangrulho farroupilha




Embretando A Vida

Embretando A Vida
(Flori Wegher, Luis Carlos Alves)

Desta quincha centenária, vou gastando as horas largas
Enquanto sovo o palheiro, vou mateando yerba amarga.
De mano com a tristeza, solito nesta quietude,
Na hora que o gado bebe nos remansos do açude.

O abandono do campo me foi mermando a coragem,
Acolherado ao desgosto empezo pensar bobagem.
Talvez deixar a querência...o mundo que é meu galpão,
Prá ir campear na cidade, remédio prá solidão.

Há que restar um cavalo
Prá mim que vivi domando
E repontar meu destino
De lombo duro troteando.

No entanto meu parceiro, receio barbaridade,
De me embretar na favela e ser mais um João Saudade.
Ou então prá minha desgraça, que é pior que o matador
É virar mais um sem-terra, acampado ao corredor.

Prá o peão não há mais lugar, é a triste constatação,
A fartura das estâncias só há na imaginação.
A divisão da cidade foi também truco marcado,
Me destinaram um perau com barracos pendurado.

Há que restar um cavalo
Prá mim que vivi domando
E repontar meu destino
De lombo duro troteando.



Filosofia de Andejo

Filosofia de Andejo
(Jayme Caetano Braun, Luiz Marenco)

Frente ao caminho me calo, e o pensamento sofreno
O mundo é muito pequeno, pras patas do meu cavalo
Nesta jornada terrena, aprende muito quem anda
Sempre que a alma se agranda a estrada fica pequena

A carpeta da distância é a escola do jogador
Se invide mais de um amor, mas só se perde uma infância
O jogo da redoblona é a lei maior do combate
Nunca se agradece o mate, se tem água na cambona

Por escondido que seja, o rancho que tem bailanta
Guitarra, gaita e percanta, meu flete sempre fareja

O amor ao chão não tem preço, se aprende deste piazito
O brabo é achar o caminho, pra retornar ao começo
Onde há vaca existe touro, este é o primeiro decreto
E até o mais analfabeto sabe brincar de namoro

Por escondido que seja, o rancho que tem bailanta
Guitarra, gaita e percanta, meu flete sempre fareja
Eu penso, penso e repenso ninguém nasceu pra ser mau
Quem usa freio de pau, é por gostar do silêncio

Deve haver algum feitiço, depois que o tempo nos laça
O mundo não tinha graça se a vida fosse só isso
Frente ao caminho me calo, e o pensamento sofreno
O mundo é muito pequeno, pras patas do meu cavalo



Onde Andará


Onde Andará
(Gujo Teixeira, Joca Martins, Fabiano Bacchieri)

Onde andará a silhueta desses antigos campeiros
Que desenhavam saudade na fumaça dos palheiros
E madrugavam setembros na voz clara dos braseiros

Onde andará a "mañanita" dos mates de gosto bueno
Da encilha dos gateados contraponteando o sereno
E a humildade dos ranchos guardando sonhos morenos

Onde andará o verso claro ponteado numa canção
Que se espalhava em floreios pelas tardes do galpão
E matizavam campeiros ao som da gaita e violão

Onde andará a tarde longa das ressolanas campeiras
Onde a alma desses tantos cruzava além da porteira
Pra o mundo das invernadas por não saber das fronteiras

Por onde andará o semblante de um avô maragato
Que eternizou seu silêncio na moldura de um retrato
E dos seus causos antigos desses campeiros de fato

Quem sabe andam perdidas na saudade dos avós
Ou presas dentro do peito querendo saltar na voz
Mais bem certo elas se acham guardadas dentro de nós

Da Alma Branca dos que Têm Saudade


Da Alma Branca dos que Têm Saudade
(Gujo Teixeira, Joca Martins)

Da alma branca dos que tem saudade
Brotam luzeiros pra clarear o dia
E na madrugada junto a um fogo grande
Repontam a querência que estava vazia
E se repetem por saberem o rumo
Que a vida toma por andar vadia

Nem mesmo o tempo por ter contratempos
Reconhece o sonho entre os temporais
Que a alma inventa cada vez que a gente
Se perde de um jeito de não se achar mais
E se desespera por saber que a espera
Pode ser pequena ou não findar jamais

Cada vez que a alma por não ter morada
Acha novo ninho pra pousar as asas
Uma outra alma oferece abrigo
Que a gente às vezes o transforma em casa
E quando então uma saudade fica
Junto a um fogo grande pra soprar as brasas

E a gente chora de chover por dentro
Por mais que essa dor nos siga as pegadas
Nem mesmo que a chuva com suas nuvens negras
Apague seus rastros que marcaram a estrada
Daí então meu rumo possa ter destino
De vencer distâncias e topar paradas

E da alma branca dos que tem saudade
O que a gente então pode perceber
Que a luz dos olhos pode ser o brilho
Que vamos tentando em vão esconder
Pois quem tem os olhos de olhar por dentro
Reconhece a alma por saber querer

Destino de Peão


Destino de Peão
(Noel Guarany)

Hoje é domingo e encilhei meu estradeiro
Já botei água-de-cheiro, não me falta quase nada
Saio ao tranquito no meu trajinho sem luxo
Pois assim faz um gaúcho que vai ver sua namorada

Trabalhei o mês inteiro, encilhei muito aporreado
Consertei todo o alambrado, lá na invernada do fundo
Sentia fundo a sinfonia dos bichos
Para aumentar o cambicho, com a flor mais linda do mundo

Queria tanto dar um presente pra prenda
Ponta de gado, fazenda, e um montão de coisas mais
Dizer palavras, que sei e penso em segredo
E que só em pensar tenho medo por isso não sou capaz

Eu até tive pensando em construir um ranchinho
Nem que seja pequeninho, já vivi muito em galpão
Se ela quisesse, que coisa linda seria
A Deus agradeceria, o meu destino de peão

De Tempo e Tropa


De Tempo e Tropa
(Guilherme Colares, Zulmar Benitez)

A lenta imagem da tropa
Serpenteia estrada afora
Sucessão de hora após hora
Fundindo terra e peçunha
Rigores de mesma alcunha
Pro tropeiro linda estampa!
Conduzindo couro e guampas
Numa procissão terrunha.

Trago embebidos na imagem
Os verões e as soalheiras
Mastigando a polvadeira
Da gadaria assolhada
Trago no couro estampada
A marca das invernias
Poncho molhado faz dias...
...Até a alma gelada.

O mouro das mi'as confiança
Tranqueia mascando freio,
Carregando os meus anseios
Nos rumos dos meus desponte.
Companheiros de horizontes
Bem mais que um simples vassalo...
...Porque tropeiro e cavalo
São como a estrela e a noite.

A gadaria contesta
Berro após berro a tristeza
Ruminando as incertezas
De cambear rumo e querência
Longínquas reminiscências
De tantas tropas de outrora
Que rumbearam mundo afora
Ensimesmada de ausências

Já gastei basto e carona
Mangueando boiada "ajena"
Plantei luzes nas canhadas
Dos rincões por onde andei
Muitas tropas entreguei
Nessa sina de tropeiro...
...Voltei sempre repisando
Os caminhos que trilhei.

O mouro da mi'as confiança
Tranqueia mascando freio,
Carregando os meus anseios
Nos rumos dos meus despontes.
Companheiros de horizonte
Bem mais que um simples vassalo...
...Porque tropeiro e cavalo
São como a estrela e a noite.

Rodeio Das Almas


Rodeio Das Almas
(Lauro Antonio Correa Simões, Luiz Cardoso)

Quando tranqueia uma canção desses campeiros
Para as moradas em consolo se destinam
Liberta os sonhos dos terrunhos companheiros
Pois traz na alma partituras campesinas

Enquanto andeja a semear sonoridades
Na comunhão da melodia com as rimas
É como carta esquecida nos peçuelos
Que o tempo e a vida transformaram em obra prima

Quando a tardinha vai vestindo os edifícios
De sombras mansas, e a quietude apressa o passo
Ouve-se vozes povoando apartamentos
Cantos nativos acenando dos terraços

E por ser simples a canção desses campeiros
Para rodeio das essências regionais
É lenitivo aos anseios caborteiros
Quando a saudade ronda rumos desiguais

Essa cantiga, que é de antiga, nos irmana
Vem estradeando com acordes alma adentro
A revolver a lembrança interiorana
Nunca perdida nas senzalas de cimento

Quando tranqueia uma canção desses campeiros
Nem mesmo o mar é capaz de nos impor
O impossível das lonjuras pra os recuerdos
Pois nada é inacessível ao amor

Meu Rancho


Meu Rancho
(Jayme Caetano Braun, Noel Guarany)

É a sina dos tapejaras
Essa de beber mensagens
Que o vento traz nas aragens
Do fundo da noites claras
Bordoneando nas taquaras
Ou pelas frinchas da porta
Porque reanima e conforta
O velho sangue guerreiro
E se eu nasci missioneiro
O demais pouco me importa.

Nasci no meio do campo,
Na costa do banhadal
Dentro dum rancho barreado,
De chão duro e desigual
Meu berço foi um pelêgo
Sobre um couro de bagual!

Bebi leite na mangueira
Numa guampa remachada
E acavalo num tição
Me aquentei de madrugada
Enquanto o vento assobiava
Nos campos brancos de geada!

Brinquei com gado de osso
Na sombra do velho umbu
E assim volteando um amargo
E o churrasco meio cru,
Fui crescendo e me orgulhando
De ter nascido um chirú!

Depois de andar gauderiando
Por muita querência estranha
Hoje vivo no meu rancho
Na humildade da campanha
Junto a chinoca querida
E um cusco que me acompanha!

Na estaca em frente do rancho
Dorme o pingo meu amigo
Companheiro que eu adoro,
Prenda guasca que bendigo
Pois alegrias e penas
Sempre reparte comigo!

É meu vizinho de porta
Um casal de quero-quero
Por isso, embora índio pobre,
Bem rico me considero:
Tendo china, pingo e cusco
No mundo nada mais quero!

E quando de noite a lua
Vem destapando meu rancho
Agarro na gaita velha
Que guardo erguida no rancho
E dando rédeas ao peito
Num vanerão me desmancho!

E meu verso é como o vento
Que vai dobrando as flexilhas
E floreia compadresco
O hino destas coxilhas
Entre os buracos de bala
Do pavilhão farroupilha!

É mesmo que bombeador
Dos piquetes de vanguarda
Que vem abrindo caminho
Pelas tropas da retaguarda.
Enquanto a cordeona chora
Meu cusco fica de guarda!

E ali pela solidão
Onde meu canto escramuça
Parece que a noite velha
Cheia de mágoas soluça
E a própria lua pampeana
No santa fé se debruça!

Mas pra deixar o sossego
Do meu rancho macanudo
Basta só a voz de um clarim:
Com china e cusco me mudo
Pra defesa do Rio Grande
Que adoro acima de tudo.