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Destino Missioneiro

Destino Missioneiro
(Noel Guarany)  
     
Este destino me fez cantor em muitas payadas
Parceiro de guitarreadas em pulperias estranhas
Passa-tempo de campanha que em dia santo e domingo
Cada qual em melhor pingo, num dia folgado e campeiro
Vou chegando mui faceiro, pra pulperia sorrindo
Nesse ritual primitivo de orgias campejanas
Me deu a sorte aragana ser pastor desse rebanho
Se jogo truco, ganho. Se cantar, comando a farra
Pois sou mesmo que cigarra pra cantar de contra-ponto
Faço um cantor ficar tonto e se manear na guitarra

Canto, terra, pampa e rio
Com a campeira vivência
De filho desta querência
Feita a cascos de cavalos
Onde os buenos e os malos
Vaqueanos de muitas guerras
Banharam campos e serras
Com sangue de mil combates
Sem saber que nesse embate
Foi tudo amor pela terra

São passados que me orgulho,
de cantar com alma aberta
E há de ser rimas bem certas e as cordas bem afinadas
Com a Garganta bem afiada e os acordes bem certeiros
E assim qualquer brasileiro ou se escuta algum paisano
Verá que é sul-americano, o canto de um missioneiro

Verão que as raças se uniram, num potencial varonil
Prá levantar o Brasil, índios, gringos e mestiços
Sem medir os sacrifícios, sem sede, sem sentir sono
Como se a terra, seu trono, lutando com força e fé
Igual que gritou Sepé, a nossa terra tem dono

Evoco o Santo Cacique, o imortal Tiarajú
Que deu pra este xirú, a sublime inspiração
De lutar por este chão, no mais sério patriotismo
Da lança para o lirismo, da tradição ao presente
Da incertidão ao consciente, pra um puro brasileirismo

E se não entendem meu canto neste país muito grande
Hei de cantar o rio grande, pedaço de continente
E se cantar o que a alma sente é falta pra um pecador
O meu patrão nosso senhor, que perdoe este gaudério
Vou levar pro cemitério este destino cantor.


Intérprete: Noel Guarany

Bochincho

Bochincho
(Jayme Caetano Braun)

A um bochincho, certa feita
Fui chegando, de curioso,
Que o vício é que nem sarnoso,
Nunca pára, nem se ajeita.
Baile de gente direita
Eu vi, de pronto, que não era,
Na noite de primavera
Gaguejava a voz dum tango
E eu sou louco por fandango
Que nem pinto por quirera.

Atei meu zaino, longito,
Num galho de guamirim,
Desde guri fui assim,
Não brinco nem facilito.
Em bruxas não acredito
Pero  que las hay, las hay,
Sou da costa do Uruguai,
Meu velho pago querido
E por andar desprevenido
Há tanto guri sem pai.

No rancho de santa-fé,
De pau-a-pique barreado,
Num trancão de convidado
Me entreverei no banzé.
O chinaredo à bola-pé,
No ambiente fumacento,
Um candeeiro, bem no centro,
Num lusco-fusco de aurora,
Pra quem chegava de fora
Pouco enxergava ali dentro!

Dei de mão numa tiangaça
Que me cruzou no costado
E já saí entreverado
Entre a poeira e a fumaça,
Oigalê china lindaça,
Morena de toda a crina
Dessas da venta brasina,
Com cheiro de lechiguana
Que quando ergue uma pestana
Até a noite se ilumina.

Misto de diaba e de santa,
E uns ares de quem é dona
E um gosto de temporona
Que traz água na garganta.
Eu me grudei na percanta
O mesmo que um carrapato
E o gaiteiro era um mulato
Que até dormindo tocava
E a gaita choramingava
Como namoro de gato.

A gaita velha gemia,
Às vezes quase parava,
De repente se acordava
E num vanerão se prendia
E eu, contra a pele macia
Daquele corpo moreno,
Sentia o mundo pequeno,
Bombeando cheio de enlevo.
Dois olhos, flores de trevo
Com respingos de sereno.

Mas o que é bom se termina
Cumpriu-se o velho ditado,
Eu que dançava embalado,
Nos braços doces da china
Escutei de relancina,
Uma espécie de relincho,
Era o dono do bochincho,
Meio oitavado num canto,
Que me olhava com espanto,
Mais sério do que um capincho.

E foi ele que se veio,
Pois era dele a pinguancha,
Bufando e abrindo cancha
Como dono de rodeio.
Quis me partir pelo meio
Com um talonaço de adaga
Que, se me pega, me estraga,
Chegou levantar um cisco,
Mas não é à toa, chô misco! 
Que eu sou de São Luiz Gonzaga!

Meio na curva do braço
Consegui tirar o talho
Mas quase que me atrapalho
Porque havia pouco espaço,
Mas senti o calor do aço
E o calor do aço arde,
Me levantei, sem alarde,
Por causa do desaforo
E soltei meu marca touro
Num medonho buenas tarde.

Tenho visto coisa feia,
Tenho visto judiaria,
Inté hoje inda me arrepia
Lembrando aquela peleia,
Talvez quem ouça, não creia,
Mas vi nascer no pescoço,
Do índio do berro grosso
Como uma cinta vermelha
E desde o beiço até a orelha
Ficou relampeando o osso

E o índio era um índio touro,
Mas até touro se ajoelha,
Cortado do beiço à orelha
Amontoou-se como um couro
E, amigos, foi um estouro,
Daqueles que dava medo,
Espantou-se o chinaredo
E aquilo foi uma zoada,
Parecia até uma eguada
Disparando num varzedo!

Não há quem pinte o retrato
Dum bochincho, quando estora,
Tinidos de adaga e espora
E gritos de desacato.
Berros de quarenta e quatro
De cada canto da sala
E a velha gaita baguala
Num vanerão pacholento,
Fazendo acompanhamento
Do turumbamba de bala.

É china que se escabela,
Redemoneando na porta
E xiru da guampa torta
Que vem direito à janela,
Num grito  de toda a goela, 
Num berreiro alucinante,
Índio que não se garante,
Vendo sangue se apavora
E se manda campo afora,
Levando tudo por diante.

Sou crente na divindade,
Morro quando Deus quiser,
Mas amigos, se eu disser,
Inté periga a verdade,
Naquela barbaridade,
De chinaredo fugindo,
De grito e de balas zunindo,
O gaiteiro, alheio a tudo,
Tocava um xotes clinudo,
Já quase meio dormindo.

E a coisa ia indo assim,
Balanceei a situação,
Já quase sem munição,
E todos atirando em mim.
Vi qual ia ser o meu fim,
Me dei conta, de repente,
Não vou ficar pra semente,
Mas gosto de andar no mundo,
Me esperavam lá nos fundos, 
Saí na porta da frente...

E dali ganhei o mato,
Abaixo de tiroteio
E inda escutava o floreio
Da cordeona do mulato
E, pra encurtar o relato,
Eu me bandeei pra o outro lado,
Cruzei o Uruguai a nado,
Pois o meu zaino era um capincho
E a história desse bochincho
Faz parte do meu passado.

E a china? Nunca mais vi
No meu gauderiar andejo,
Somente em sonhos a vejo
Num bárbaro frenesi.
Talvez ande por aí,
No rodeio das alçadas,
Ou, talvez, de madrugada,
Seja uma estrela xirua
Dessas que se banha nua
No espelho das aguadas.





Bochincho - Noel Guarany by Guascaletras

Destino de Peão


Destino de Peão
(Noel Guarany)

Hoje é domingo e encilhei meu estradeiro
Já botei água-de-cheiro, não me falta quase nada
Saio ao tranquito no meu trajinho sem luxo
Pois assim faz um gaúcho que vai ver sua namorada

Trabalhei o mês inteiro, encilhei muito aporreado
Consertei todo o alambrado, lá na invernada do fundo
Sentia fundo a sinfonia dos bichos
Para aumentar o cambicho, com a flor mais linda do mundo

Queria tanto dar um presente pra prenda
Ponta de gado, fazenda, e um montão de coisas mais
Dizer palavras, que sei e penso em segredo
E que só em pensar tenho medo por isso não sou capaz

Eu até tive pensando em construir um ranchinho
Nem que seja pequeninho, já vivi muito em galpão
Se ela quisesse, que coisa linda seria
A Deus agradeceria, o meu destino de peão

Meu Rancho


Meu Rancho
(Jayme Caetano Braun, Noel Guarany)

É a sina dos tapejaras
Essa de beber mensagens
Que o vento traz nas aragens
Do fundo da noites claras
Bordoneando nas taquaras
Ou pelas frinchas da porta
Porque reanima e conforta
O velho sangue guerreiro
E se eu nasci missioneiro
O demais pouco me importa.

Nasci no meio do campo,
Na costa do banhadal
Dentro dum rancho barreado,
De chão duro e desigual
Meu berço foi um pelêgo
Sobre um couro de bagual!

Bebi leite na mangueira
Numa guampa remachada
E acavalo num tição
Me aquentei de madrugada
Enquanto o vento assobiava
Nos campos brancos de geada!

Brinquei com gado de osso
Na sombra do velho umbu
E assim volteando um amargo
E o churrasco meio cru,
Fui crescendo e me orgulhando
De ter nascido um chirú!

Depois de andar gauderiando
Por muita querência estranha
Hoje vivo no meu rancho
Na humildade da campanha
Junto a chinoca querida
E um cusco que me acompanha!

Na estaca em frente do rancho
Dorme o pingo meu amigo
Companheiro que eu adoro,
Prenda guasca que bendigo
Pois alegrias e penas
Sempre reparte comigo!

É meu vizinho de porta
Um casal de quero-quero
Por isso, embora índio pobre,
Bem rico me considero:
Tendo china, pingo e cusco
No mundo nada mais quero!

E quando de noite a lua
Vem destapando meu rancho
Agarro na gaita velha
Que guardo erguida no rancho
E dando rédeas ao peito
Num vanerão me desmancho!

E meu verso é como o vento
Que vai dobrando as flexilhas
E floreia compadresco
O hino destas coxilhas
Entre os buracos de bala
Do pavilhão farroupilha!

É mesmo que bombeador
Dos piquetes de vanguarda
Que vem abrindo caminho
Pelas tropas da retaguarda.
Enquanto a cordeona chora
Meu cusco fica de guarda!

E ali pela solidão
Onde meu canto escramuça
Parece que a noite velha
Cheia de mágoas soluça
E a própria lua pampeana
No santa fé se debruça!

Mas pra deixar o sossego
Do meu rancho macanudo
Basta só a voz de um clarim:
Com china e cusco me mudo
Pra defesa do Rio Grande
Que adoro acima de tudo.

Don Gomercindo Saraiva

 Don Gomercindo Saraiva
(Noel Guarany, João Sampaio)

Gaúcho-centauro de pua
Medalha de pátria guaxa
Na legenda da bombacha
Há reflexos de lua
Velha encarnação xirua
Cintilando ao sol dos anos
Bronze agreste dos pampeanos
Redemunhando só confins
Entre o sopro dos clarins
De los pueblos soberanos

Alma-hombre-continente
Viejo caudilho paisano
Mescla de pampa e minuano
Brasões de raça imponente
Tal qual criola vertente
De alçadas concepções
Donde vieram aos borbotões
Velhos tigres de fronteiras
Ajoelhando a alma inteira
No altar das tradições

Dom Saraiva el gáucho errante
Del panuelo colorao
Que tranqueando en su tostao
Levaste el pátria adelante
Com la imagem cintilante
De caudilho americano
Que el viejo pago orejano
Saludo en la montonera
La liberdaded y la bandera
Del gaucho y nuestros hermanos

E se foi pra eternidade
Num flete bueno e pachola
Laço velho a bate-cola
De rédea solta à vontade
E um pendão de liberdade
Mais puro do que vertente
Entrou na história de frente
De chapéu meio tapeado
E um por de sol colorado
Sangrando a alma da gente

Mas ficaram ressonâncias
Luzindo sobre a planura
Fundametando cultura
Enchendo vazios... Distâncias
E no templo das estâncias
Entre úmbus e sinamomos
Preces nativas dispomos
Na catedral do galpão
No clarim dum redomão
Proutros rincões nos transpomos

Essa legenda guerreira
Balguala e continental
Saiu da banda Oriental
Sem convenções de fronteira
E foi cruzando altaneira
Com pátria dentro de si
Por Bagé e Itaqui
Arrematando na Lapa
Para luzie essa luz guapa
No capão do Carovi

Velho umbú enraizado
No coração do gaúcho
Como a antevisão de um bruxo
Que é senhor do descampado
E ao pé de um cerro oitavado
Se vestiu de sol e escuro
Se transformou em grão maduro
Numa esfinge derradeira
Que há de amanhecer bandeira
No Rio Grande do futuro

A Queixosa


A Queixosa
(Noel Guarany)
     
Ao cantar esta rancheira, meu senhor
Vá lembra-me da fronteira e com amor
Vá lembrar de uma morena, sim senhor
Que morena flor-e-flor

Fui dançar com a morena, meu senhor
Me disse que sim sorrindo e com amor
Ai meu deus que olhos lindos, sim senhor
Que sorriso flor-e-flor

A cantar esta rancheira, meu senhor
Com saudade da estancieira e com amor
Vou cantar a vida inteira, sim senhor
Pra morena flor-e-flor

Ser feliz pra quem e pobre, meu senhor
Custa caro e dura pouco, meu senhor
A morena que eu quis, com tanto amor
Não pode casar comigo, não senhor

Não pode casar comigo, não senhor
A morena que eu quis, com tanto amor
Só porque eu sou gaudério flor-e-flor
Só porque eu nasci cantor

A cantar esta rancheira, meu senhor
Com saudade da estancieira e com amor
Vou cantar a vida inteira, sim senhor
Eu hei de morrer cantor.

Meu Quaray Mirim


Meu Quaray Mirim
(Jorge Amarante)

Eu me lembro bem ainda
Daquelas planices infindas
No meu Quaray Mirim
Das gostosas macaquices
Ao comer as gulodices
Que Sia Dona fez pra mim

Me lembro plaf nas tábuas
Das roupas cheirando as máguas
E o cantar das lavadeiras
E no seu torto caminho
O rio murmura baixinho
Namorando as pitangueiras
E no seu torto caminho
O rio murmura baixinho
Namorando as pitangueiras

Piazito canela arranhada
Descalço pisando as geadas
Nas duras manhãs de frio
Amei a vida campestre
Comendo frutas silvestres
Sentado à beira do rio

Lembro o rufar dos tambores
Do quinto de caçadores
Unidade do meu pago
Foi a mais doce morada
Essa cidade encantada
Namorada do Uruguai
Foi a mais doce morada
Essa cidade encantada
Namorada do Uruguai

Piazito canela arranhada
Descalço pisando as geadas
Nas duras manhãs de frio
Amei a vida campestre
Comendo frutas silvestres
Sentado à beira do rio
Sentado à beira do rio.

Sonho De Pescador


Sonho De Pescador
(Noel Guarany)
     
Se eu tenho um rio que murmura
E um rancho para viver
Um caique pescador,
E um amor para querer
E um canto da passarada,
Para alegrar o amanhecer
E um canto da passarada,
Para alegrar o amanhecer

Sou pescador, sou costeiro,
Nas águas eu sou senhor
Nas festas sou guitarreiro,
Afamado payador
Me chamam de feiticeiro
Numa parada de amor
Me chamam de feiticeiro
Numa parada de amor

As vezes fico pensando,
Olhando o aguapezal
O céu que espelha nas águas,
Beleza fenomenal
O Uruguai que abraça a terra,
Do pampa meridional
Esse rio que abraça a terra,
Do pampa meridional.

Costumes Missioneiros


Costumes Missioneiros
(Noel Guarany, Jayme Caetano Braun)   
     
Vou dizer como é a vida
Dos índios lá do meu pago
Levantam de madrugada
Prá prosear e tomar um amargo
Nem bem clareia o dia
E cada qual nos seus encargos

Domingo encilho o pingo
Bem cedo, de madrugada
E saio a galopito
Visitar minha namorada
Esse e um costume que eu tenho
Quando não ando em tropeada

Em maio nas marcações
Eu sempre dou mostra do braço
Pealando de sobre-lombo
E laçando de todo o laço
"Inté" eu mesmo me admiro
Das gauchadas que eu faço

Por isso faz recordar
Dos pagos da Bossoroca
Onde a galinha não canta
E o tatu não sai da toca
E o campo santo tá aberto
Prá aquele que me provoca

E também faz recordar
Dos pagos de Itaroquém
Daqueles campos tão finos
Que nem macegas não tem
Que as velhas de mim tem raiva
E as moças me querem bem

De todas estas coisas lindas
Que existem no meu rincão
Várzeas, coxilhas infindas
Algo de admiração
Tomara que eu sempre viva
Prá bem dizer o meu chão.