O
Forasteiro
(Vinícius Brum, Mauro Ferreira, Luiz
Carlos Borges)
Na sombra de um bolicho à beira estrada,
daqueles que do mundo se perdeu
Encontra-se uma gente reunida, a espera
de um chamado de seu Deus
Perfumes de bom fumo amarelido, paredes
com suas almas penduradas
Paciências de um lugar envelhecido, e uma
coragem de quem não tem nada
Apeia um forasteiro: O que é da vida?
Responde o bolicheiro: Está cansada,
A gente de bombacha anda esquecida,
desiludida nos beirões da estrada
Buscamos nossa terra prometida um mundo
pras crianças e pros velhos
O sul que nós sonhamos onde a vida
devolva o que branqueou nossos cabelos
Mas cada ano a seca de janeiro, precede
um novo inverno de asperezas
Parece que o destino do campeiro não pode
pedir mais que pão na mesa
E aos poucos, o que diz o bolicheiro se
multiplica em vozes pelo ar
E volta a se calar o forasteiro, junta o
violão no peito pra cantar
Já vi quase de tudo em minha vida, há
séculos que ando pela estrada
Vi a morte sobre a terra prometida, e a
vida sobre a terra abandonada
Vi um homem pondo fogo na colheita,
enquanto outro semeava num deserto
Já vi perto o que ontem era um sonho, e
longe vi o que sempre fora certo
Um povo sonha Deus a sua imagem, e Deus
devolve a terra a cada povo
Moldada no trabalho e na coragem que o
povo usou pra levantar o sonho
Aqui é nosso inferno e paraíso, a vida é
uma planta por cuidar
A que morrer por ela se preciso, o sul
somente o sul pode salvar
Assim falou pro povo o forasteiro, depois
montou e envolto num clarão
Sumiu emoldurado pela tarde, bem como o
sol dissipa a serração
Uns dizem que mais altos que os cerros
ele segue abençoando este rincão
Mas muitos acreditam que essa gente ouviu
a voz do próprio coração
O certo é que um a um se foi às casas,
por que havia uma planta por cuidar
Arar a terra a cada madrugada, para a
semente que há de germinar
O homem faz seu Deus que faz o sonho, um
sonho azul maior que este lugar
Na luz que vem dos olhos dessa gente, o
sul um dia se iluminará