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A Flor Do Chamamé

A Flor Do Chamamé
(Vinicius Brum, Luiz Carlos Borges, Alegre Corrêa)

Quando a barca do silêncio
Cruza as águas frias do teu coração
Quando a lua empalidece
E as palavras fogem para imensidão

Quando já não resta nada
Nem cegueira nem visão
Quando a queda do teu pranto
Perder a razão

Quando as cores da paisagem
Vestem de saudade tua oração
Repetindo em cada passo
O tempo da memória, o tempo da canção

Quando andares pela casa
Nua, feito assombração
E tua vela solitária
Arder na escuridão

Talvez fique gravada
No livro a branca voz
Lágrima perdida, lua comovida
Que sobrou de nós

O espelho se quebrou
Mas não perdeu a fé
O amor ainda existe
Quando chora triste
A flor do chamamé


Inquietude

Inquietude
(Vaine Darde, Sabani Felipe de Souza)

Alguma coisa estranha
Anda rondando o país:
Nos braços do estivador,
Nos beijos da meretriz;
No cantador de cordel,
Nas previsões da vidente,
Se espalha feito uma peste
E toma conta da gente...

Conspira nos botequins,
Bate na porta das casas,
Faz procissão nos confins,
Desperta o sono das brasas.
Há um perigo constante
De que um dique arrebente
E o velho rio da esperança
Cause uma nova enchente...

Há uma inquietude no povo
Que a notícia não diz,
De ir pra rua, de novo,
E refazer o país.

Anda inspirando o poema,
Sofrendo o a fome das vilas;
Pegando trem no subúrbio,
Perdendo a vida nas filas.
Vive descalço nas praças,
Gastando a infância nos morros,
Vendendo as moças nas docas,
E, às vezes, pede socorro...

É um festim de mendigos,
É um motim de guitarras
Onde se insurgem profetas,
Onde ressurgem cigarras.
É o cotidiano das ruas
Numa comédia febril
E, às vezes, vira tragédia
Pelos sertões do Brasil.


Mãe

Mãe
(Vinicius Brum, Luiz Carlos Borges)

Mãe,
Tem um sorriso que é diploma e flor
Ventre de cacimba pras chuvas do amor
Mãe é quem avisa, quem prepara o ninho
Garra pros cuidados, cenas pros carinhos

Mãe,
Ela é quem canta enquanto o filho dorme
É quem defende se o filho fez arte
Fica rezando pra que ele retorne
E chora escondida quando um filho parte

Mãe,
É quem pressente outro coração,
Que lhe bate ao ventre inquieto bordão
Mel na flor do peito, oferenda e pão
Anjo guardião

Mãe,
É calmaria e explosão de vento
Luz que não tem fim no túnel do tempo
Mãe de braço brado, mãe de braço erguido
Força pro cansado, beijo pro ferido

Mãe,
Um beija flor com força de leoa
Um vendaval se magoada ou ferida
Sacerdotisa que ama e perdoa
E é mais feliz quando nos dá a vida

Mãe,
É quem pressente outro coração,
Quem lhe bate ao ventre inquieto bordão
Mel na flor do peito, oferenda e pão
Anjo guardião

O Forasteiro



O Forasteiro
(Vinícius Brum, Mauro Ferreira, Luiz Carlos Borges)

Na sombra de um bolicho à beira estrada, daqueles que do mundo se perdeu
Encontra-se uma gente reunida, a espera de um chamado de seu Deus
Perfumes de bom fumo amarelido, paredes com suas almas penduradas
Paciências de um lugar envelhecido, e uma coragem de quem não tem nada

Apeia um forasteiro: O que é da vida?
Responde o bolicheiro: Está cansada,
A gente de bombacha anda esquecida, desiludida nos beirões da estrada
Buscamos nossa terra prometida um mundo pras crianças e pros velhos
O sul que nós sonhamos onde a vida devolva o que branqueou nossos cabelos
Mas cada ano a seca de janeiro, precede um novo inverno de asperezas
Parece que o destino do campeiro não pode pedir mais que pão na mesa

E aos poucos, o que diz o bolicheiro se multiplica em vozes pelo ar
E volta a se calar o forasteiro, junta o violão no peito pra cantar

Já vi quase de tudo em minha vida, há séculos que ando pela estrada
Vi a morte sobre a terra prometida, e a vida sobre a terra abandonada
Vi um homem pondo fogo na colheita, enquanto outro semeava num deserto
Já vi perto o que ontem era um sonho, e longe vi o que sempre fora certo
Um povo sonha Deus a sua imagem, e Deus devolve a terra a cada povo
Moldada no trabalho e na coragem que o povo usou pra levantar o sonho
Aqui é nosso inferno e paraíso, a vida é uma planta por cuidar
A que morrer por ela se preciso, o sul somente o sul pode salvar

Assim falou pro povo o forasteiro, depois montou e envolto num clarão
Sumiu emoldurado pela tarde, bem como o sol dissipa a serração
Uns dizem que mais altos que os cerros ele segue abençoando este rincão
Mas muitos acreditam que essa gente ouviu a voz do próprio coração
O certo é que um a um se foi às casas, por que havia uma planta por cuidar
Arar a terra a cada madrugada, para a semente que há de germinar
O homem faz seu Deus que faz o sonho, um sonho azul maior que este lugar
Na luz que vem dos olhos dessa gente, o sul um dia se iluminará

Procissão

Procissão
(Jaime Vaz Brasil, Vinicius Brum)

Nós
A multidão caminhante
A multidão transpirante
Desfiamos o rosário nos degraus deste calvário
Exortamos heresias e depois na romaria
Enjaulamos a cadeado alguns dos nossos pecados

Nós
E a nossa prole crescente
Aguardamos impacientes
Que desponte um milagreiro
Em meio a tantos desejos

Que através das oferendas
Por um tempo de remendam
A nossa alma ruída
Pelas agruras da vida

Sabemos
Que apesar das liturgias
A fome nos segue há dias
Que apesar das benzeduras
Estamos longe da cura
Que apesar dos sacramentos
Mantemos nossos tormentos

Também sabemos que a fé
Às vezes balança
Na gangorra da esperança

Mas acreditar é preciso
E por isso seguimos
Em nossa estrada
Pois todos sabemos
Que alem da fé
Não temos mais nada

Alma de Poço

Alma de Poço
(Antonio Augusto Ferreira, Vinicius Brum)

Madrugada mais lubuna mateio desprevenido
Tenho andado mal dormido com paixões demais pra um
Os meus olhos tresnoitados se voltam mesmo pra dentro
A vida põe sal na boca e o mate não mata a sede

Querência fica distante mesmo andando dentro dela
Que me importa o sol na cara se a alma não amanhece?
Não quero sonhar de novo renascer não vale a pena, ai
Alegria pouco importa quando a vida anda pequena, ai

Solidão bate no rancho já me sabe mais covarde
Vou cultivando um silêncio que vai florescendo à tarde

(Ai, ai, ai... de mim, corpo de moço,
Jeito de rio
Ai, ai, ai de mim, alma de poço,
Peito vazio
Ai, ai, ai... de mim, corpo de moço,
Jeito de rio)



Enviado por Liane