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Lua Chirua

Lua Chirua
(Edilberto Teixeira, Ênio Medeiros)

A lua é uma gata angorá                                                            
Que pisa manso o telhado,
E a geada no descampado
Que ainda não levantou,
É um velo de lã merina,
É um seio branco de china
Que nem o sol não tocou;

A lua é prenda que foge
Do rancho do firmamento
E, engarupado no vento,
Vai alumiar a querência
Nos olhos negros da prenda
A lua cheia é uma oferenda
De paz, amor e de ausência

Esta lua é uma chirua
Que maltrata o meu sossego
Quando abre a pampa nua
Vem dormir nos meus pelegos.

A lua guia o gaudério
Como um celeste candeeiro
Quando ele vai, de escoteiro,
Abrindo atalho e caminho.
E atravessando o perau,
Meia noite, ouve o urutau
Chamando a fêmea pra o ninho.
  
E a lua cá do potrero,
Quando linda vai passando,
Faz minh'alma ir-se cantando
Na amplidão do seu luar
E este azul se azul não fosse,
Seria rima água-doce
De uma canção de ninar.

Esta lua é uma chirua
Que maltrata o meu sossego
Quando abre a pampa nua
Vem dormir nos meus pelegos.


Bicho da Chuva

Bicho da Chuva
(Ênio Medeiros)

Os bicho-preto vem subindo na coxilha
Anunciando vento frio e temporal
Vem caminhando uns em cima dos outro
Ladeira acima fugindo do banhadal

Só quem entende a previsão dos home antigo
E observa o jeito dos animais
Espera agosto com a tulha cheia de bóia
Batata doce, linguiça nos varais

Meu poncho velho que me abriga do rigor
E eu vou contando pra esses jovens de caderno
Que nunca viram uma lagoa virar vidro
Nem bicho-preto anunciar o rigor do inverno

Verão que vem vou trabalhar igual formiga
De lenhador, porque essa é minha sina
Se os bicho-preto repontarem na coxilha
To no meu rancho mateando com a minha china

O vento norte vem chorar embaixo das porta
Pedindo chuva o carão já faz três dias
A geada preta vem gelando até a alma
Saiu dos Andes passando por Vacaria

Bicho da chuva não se sabe aonde nasce
Se ingerido a galinha e porco faz mal
Se for ao norte anunciando tempo bom
Se for ao sul vai baixar o temporal

Meu poncho velho que me abriga do rigor
E eu vou ensinando pra esses jovens de caderno
Que nunca viram uma lagoa virar vidro
Nem bicho-preto anunciar o rigor do inverno

Verão que vem vou trabalhar igual formiga
De lenhador, porque essa é minha sina
Se os bicho-preto repontarem na coxilha
To no meu rancho mateando com a minha china


Caseriando

Caseriando
(Ênio Medeiros)

A noite turva era um breu
A lua estava em férias no infinito
Somente sobre os tentos de um catre vazio
Dava corda no relógio um grilito

Uma coruja chia espantando os cavalos
A cachorrada uiva quebrando o silêncio
Uma pulga chega pedindo pousada
Acampada nos pelegos do Terêncio

Sou caseiro, casereando, eu casereiro
Nos ranchos, nas fazendas e onde ande
Sou feliz por ter nascido aqui no sul
E fazer parte deste querido Rio Grande

Me reviro, perco sono e vou pensando
Em tesouros, causos de assombração
Um galo canta, se dormiu, não sei se ouviu
O pingo baio relinchando no galpão

Vou tirar leite a vaca estranha e senta as pata
Galinha, porco, reclamando seu quinhão
Pego o sogueiro, dou um jeito na recolhida
Nem tive tempo de tomar meu chimarrão
          
Conto nos dedos quantos dias ainda faltam
Pra sair do compromisso e da rotina
Comer comida feita por mão de mulher
E ir ao povo se encontrar com alguma china

Tomar um trago, parceiro do índio vago
Dar uma bailada nas bailantas da costeira
Contar ao patrão que aqui está tudo bem
Se for preciso eu casereio a vida inteira


Flor do Aguapé

Flor do Aguapé
(Edilberto Teixeira, Enio Medeiros)

Encima do espelho d’água,
Com as raízes se enredando
O aguapé fica boiando,
Onde a sanga não dá pé
Num tapete verde-oliva,
Como orquídea azul nativa
Nasce a for do aguapé.

Aguapé filtro das águas,
Remansosas que são turvas
Vem mostrar depois das chuvas
Os pesqueiros junto à flor.
Quando é noite o vento é calmo
As traíras mais de palmo,
Cai no anzol do pescador.

Aguapé flor do meu pago
Com feitio de alga marinha
Flor azul da beira d’água
Trampolim das marrequinhas.

Com as gavinas flutuantes
Faz a taipa contra o vento,
E só muda acampamento
Quando o temporal deságua
O aguapé na água flutua
Pra esconder da luz da lua,
Os encantos da mãe d’água.

No verão lá no meu pago,
Quando é tempo de pitanga
Se uma prenda olhando a sanga,
Do aguapé quer ter a flor.
Logo o peão apaixonado,
No lagoão se põe a nado
E traz na mão pro seu amor.



Flor De Aguapé - João Quintana Vieira e Grupo Parceria by guascaletras

Ao Som De Um Bandoneom

Ao Som De Um Bandoneom
(Maria Ester Vidal, Carlinhos Lima)

Ao som de um bandoneom
O fogo de chão,
Por fim silencia...!

Lá fora...Ninguém!
Com o céu embaçado
Histórias se fazem
No peito de alguém!

Pensando se vive;
Ouvindo se aprende
E a noite revive
O que vai e não vem!

Ao som de um bandoneom
Histórias se contam,
Sentimentos despontam
E são de ninguém!

Mistura bandoneom com fogo de chaõ;
Agasalha no peito seu riso cortado...
E basta um galpão e um amigo do lado
Que a dor que era sua não passa a ninguém!

E o fogo calado
No tição queimado,
Se sente embalado
Na chama que tem...!

E vai definhando
Sob os olhos atentos
Que procuram nos ventos
A canção que convém...!

E nos mostra, abrasado,
Que a cinza é legado;
Essência de terra,
Que o homem não tem...

Não fica parado o homem cansado...
Sofrido...calado...
Quando a dor lhe entretém!

Mistura bandoneom com fogo de chaõ;
Agasalha no peito seu riso cortado...
E basta um galpão e um amigo do lado
Que a dor que era sua não passa a ninguém!



AO SOM DE UM BANDONEON by Maria Ester Vidal

Companheiro Sem Queixas

Companheiro Sem Queixas
(Maria Ester Vidal, Enio Medeiros)

Sentado a beira do fogo
Depois de um dia campeiro,
Aqueço-me junto ao braseiro,
Como quem pesca um luzeiro,
Na lida com o pai de fogo!

E por cima um pala antigo,
Que envelheceu no meu ombro...
Velho, sujo e mal dobrado...
Muitas vezes de mendigo,
Por tê-lo assim, fui chamado.

No calor de suas fibras,
Muitas lágrimas secaram,
Quando no frio do abandono,
Eu sem ela, tão sem dono
Juntito dele chorava!

E assim, me identificava
Aquele pala surrado,
Que no verão se atirava
Por cima de algum lajeado,
A mostra pras lavadeiras
Pra descansar e ser lavado!

Ah, companheiro sem queixas,
Que o peão nem pensa largar...
Serve de catre, de quincha;
Às vezes leva nos ombros
Este Rio Grande a cantar!



COMPANHEIRO SEM QUEIXAS  by guascaletras

Estância Santa Joana

Estância Santa Joana
(Enio Medeiros)

Quando o rigor da madrugada
Me levanta dos pelego
Sou taura que salto cedo
Com a boca seca por mate

Pois não tem peão que desate
Num sonho de olho aberto
Mateio com as três Marias
Três cusco deitado perto

A cavalhada no potreiro
Pastando de sentinela
E um sorro de toda guela
Assombra o rebando de cria

Uma coruja que chia
Na costa do Ijiquiqua
E o Ibírocai legendário
Sobre o grito do guará

Na Estância Santa Joana
A pegada sempre é mais cedo
Junta a boiada do trevo
Também os La do perau

Salustiano o negro mau
Numa tostada apoderada
Que sai caindo de boca
No campo branco de geada

Três léguas do plano alto
E ainda se escuta os berro
Do negro que trança ferro
Templado do Ibírocai

Que se bolca ele sai
Rédeas e cabresto na mão
Um bocal de tamaduá
E no chapéu uma oração



Ênio Medeiros - Estância Santa Joana by guascaletras

Canto do Peão Solito


Canto do Peão Solito
(Edilberto Teixeira, Ênio Medeiros)

Como é larga a madrugada...

Como é larga a madrugada,
Quando eu me largo a cantar
Se eu bebo um trago de lua,
Meu canto imita o luar.

Se vai pro céu alumiando
A sanga, o córrego e a restinga,
Pra ver num pé de amarillo,
Se encher de lua a caçimba.

Meu canto de peão solito
Na noite pampa flutua
Cavalgando acolherado
Co’a luz difusa da lua.

Meu canto sai no infinito
Apascentando as ovelhas,
Trazendo o embornal da noite
Cheio de lua e de estrelas

Como é larga a madrugada,
Quando eu me largo a cantar
Se eu bebo um trago de lua,
Meu canto imita o luar.

Meu canto é um potro selvagem
Que abre a porteira e se vai...
Depois se apaga no abismo
Como uma estrela que cai.

Quando a lua fura a quincha
De algum rancho de capim,
Quer saber, alcoviteira,
Se a china chora por mim.

Quando a lua me abandona
Como um rancho sem ninguém
Meu canto chora o laçaço
Da luz da aurora que vem.


Alma de Fronteira

Alma de Fronteira
(Rogério Villagrán, Enio Medeiros)

Chapéu tapeado pra enxergar de ponta a ponta
Lenço vermelho, bandeira de um maragato
Estampa guapa, tronqueira do nosso Estado
Enforquilhado num baio ovo-de-pato

Espora buena, buzinuda, tilintando
Marca o compasso do meu pingo troteador
Jeito atrevido de quem vem pedir bolada
Alma tisnada da poeira do corredor

Trago em reponte batidas de algum cincerro
Gritos de forma, por isso sou da fronteira
Meu berço xucro, sagrado torrão sulino
Onde o teatino cheira a terra de mangueira

Me criei taura, laçando e boleando potro
E abrindo a perna de alguma bolcada feia
Quando preciso, abro o peito companheiro
Por que um fronteiro não se enreda nas maneias

O meu cantar fala de doma e campereada
A minha voz é xucra igual berro de touro
E as minhas penas são queimaduras de laço
Que num guascaço nos deixam marcas no couro

Trago em reponte batidas de algum cincerro
Gritos de forma, por isso sou da fronteira
Meu berço xucro, sagrado torrão sulino
Onde o teatino cheira a terra de mangueira

Vida De Peão

Vida De Peão
(Enio Medeiros, Rogério Villagrán)

Com minha mala no ombro chapéu de aba tapeada
Um pañuelo colorado e o pala da cor da geada
Quando o sol mostra o fucinho entre os ramos da canhada
Eu já tô com as trouxa pronta esperando na parada

A embarcação barulhenta se arrasta batendo lata
Levo lembranças amigas, recuerdo, saludo e plata
Esta noite eu perco a doma e arrasto as alpargatas
Lá no rancho do Abrelino, nos braços de uma mulata

De vez em quando, quando posso
Dou uma voltita no povo
Tiro uns três ou quatro dias
De retoço com as guria
E volto pra estância de novo

Já paguei conta atrasada
Sempre fui um bom pagador
E na rua do chapéu
Posei enredado de amor
Comprei um par de bota nova
E um pala bueno de fato
E domingo gastei uns trago
Com as moça do maragato

Segunda-feira bem cedo, me acordo lôco de pena
De não ter guardados um quilo dos carinhos da morena
Volto à estância novamente, pois esta vida é um confronto
Rebentando aspa de boi, trompando égua dos encontro

De vez em quando, quando posso
Dou uma voltita no povo
Tiro uns três ou quatro dias
De retoço com as guria
E volto pra estância de novo