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Mostrando postagens com marcador Ricardo Freire. Mostrar todas as postagens
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O Amor À Sombra Da Fuga

O Amor À Sombra Da Fuga
(Jaime Vaz Brasil, Ricardo Freire)

Filmar o amor em fuga
Enquanto assim se apresenta
É algo raro, difícil:
Só mesmo em câmera lenta.

Não da máquina, mas dele
No breve instante em que some
Contra algum muro de nuvens
E perde o rosto e o nome.

Lentificá-lo em palavras
Seria, talvez, um jeito
De tomar-lhe bem o pulso
Ou mesmo sondar-lhe o peito?

As razões de cada escape
Às vezes correm às vistas
Mais escoladas na história
De ler motivos, em lista.

Quando há medo, mesmo ao pássaro
É falso o vôo liberto.
É fuga em busca de água
Rumo à boca do deserto.

O pensá-lo mais concreto
Esgota a água e a sede.
É a colher gasta em silêncio
No arranhar da parede.

Esse amor, alma de elástico,
Atravessa o vão do muro
E enquanto foge de si,
Engole o próprio futuro.

Por isso, leva-se aos ombros
Em sina longa e estranha:
É sombra pulsando aos passos
Que ao corpo sempre acompanha.

E assim - por onde adormeça -
Carrega nele o dilema
De, mesmo ao dizer-se livre,
Expor as suas algemas.

Presságios

Presságios
(Jaime Vaz Brasil, Ricardo Freire)

Eu te pressinto, amor
Detrás de cada janela,
No fundo de cada espelho.

Eu te contemplo, amor
Enquanto fecho meus olhos
Nas solidões de domingo.

Eu imagino teu rosto
E me transpasso às paredes
Da face branca do sonho.

Eu adivinho teus passos
Nas multidões impassíveis,
Nas aflições do caminho.

Eu te pressinto na espera,
No entardecer do silêncio
No corpo claro dos ventos.

Quem dera amor, quem me dera
Poder olhar-te por dentro,
Poder tocar-te um momento.

Quem dera amor, quem me dera
Roubar à luz de um presságio
A sombra mansa da entrega.

Despedida

Despedida
(Jaime Vaz Brasil, Ricardo Freire)

Quando a guerra não foi mais que um simples jogo
Quando o medo fez mais cedo um outro escuro
E o futuro se fez logo ali, dobrando
Eu vi, amiga: era tarde.

Quando o mundo foi além do meu quintal
Quando a vida foi jornal e não história
E a memória fez a contramão do dia
Eu vi, amiga: era tarde.

Quando o vento não me fez abrir os braços
Ao abraço sideral de estar voando
E a pandorga me fugiu sem dizer quando
Eu vi, amiga: era tarde.

Quando o guarda que dormia nos brinquedos
Pôs o dedo no olhar da minha pressa
E quis ver o que a vida fez de mim
Eu vi, amiga: era tarde.

Quando a noite foi algema no meu sono
E eu, de dono, fui escravo de um relógio
E no pulso pus dilema e cotidiano
Eu vi, amiga: era tarde.

Quando o tempo foi julgado em outra lei
E a tristeza me beijou, tão natural
Nas paredes, no vazio fundo da casa
Eu vi, amiga: era tarde.

Muito tarde.

A Concha Das Horas


A Concha Das Horas
(Jaime Vaz Brasil, Ricardo Freire)

Leva o teu sorriso, por favor leva pra longe.
Leva o que puderes, leva as minhas dores todas.
Leva o teu olhar e leva o que mais achares
E eu acolherei, desta vez, o teu silêncio.

Guarda o teu amor, num lugar que não existe.
Deixa, eu mesma lavo o que nos sobrou de triste.
Pelo nosso quarto, pela cama no deserto
Eu vou sacudir o que dizem ser adeus.

Leva teu rancor, teu espelho mais antigo.
Leva o que couber no teu corpo tão vazio.
Deixa meus escudos. Deixa, eu fugirei do frio
Mesmo que viaje à neve das cordilheiras.

Mas a noite é longa, nas malas e nas tristezas.
Leva tudo agora, que a manhã não se demora.
Deixa, eu mesma espanto o que tanto ainda me cala
 E o teu desamor me dói mais quando nem falas.

Mas quem sabe amigo...
Um dia eu te lembre
No beijo esquecido
Na palma do tempo
Na concha das horas.