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O Amor À Sombra Da Fuga

O Amor À Sombra Da Fuga
(Jaime Vaz Brasil, Ricardo Freire)

Filmar o amor em fuga
Enquanto assim se apresenta
É algo raro, difícil:
Só mesmo em câmera lenta.

Não da máquina, mas dele
No breve instante em que some
Contra algum muro de nuvens
E perde o rosto e o nome.

Lentificá-lo em palavras
Seria, talvez, um jeito
De tomar-lhe bem o pulso
Ou mesmo sondar-lhe o peito?

As razões de cada escape
Às vezes correm às vistas
Mais escoladas na história
De ler motivos, em lista.

Quando há medo, mesmo ao pássaro
É falso o vôo liberto.
É fuga em busca de água
Rumo à boca do deserto.

O pensá-lo mais concreto
Esgota a água e a sede.
É a colher gasta em silêncio
No arranhar da parede.

Esse amor, alma de elástico,
Atravessa o vão do muro
E enquanto foge de si,
Engole o próprio futuro.

Por isso, leva-se aos ombros
Em sina longa e estranha:
É sombra pulsando aos passos
Que ao corpo sempre acompanha.

E assim - por onde adormeça -
Carrega nele o dilema
De, mesmo ao dizer-se livre,
Expor as suas algemas.

Rancho De Luz

Rancho De Luz
(Tulio Urach, Carlos Omar Villela Gomes, Gibão Strazzabosco)

Sentado à mesa um mate novo
A vela acesa, o olho turvo
Ouço mil cascos em disparada
Lá por de trás da coxilha,
E o negrinho gorgeia seu riso
Por ter achado a tropilha.

Dou-te o lume da vela a prece prometida
Encontrem minha alma que anda perdida,
A escuridão da noite ainda me trás
Espíritos que vagam sem ter paz
Aquerenciando o temor de encontrar,
Lá fora o fogo incensato do boitatá.

Aháááááá
São índios e padres
São negros, mulheres, soldados

Aháááááá
Que adentram o rancho
E mateiam proseando ao meu lado

Guiam-se pela prece
Aos braços abertos na cruz,
Enquanto a vela aquece
Os sonhos que povoam
Esse rancho de luz

Indago à Cristo na parede
Se pode um mate aumentar a sede
Na chama da vela que se desfigura
Vejo campo e nele ecos de loucura,
Faiscas de adagas a morte estampada,
Tempo das batalhas, de morrer por nada.

Murmúrios engasgados em pecado e dor
Clamam ao meu lado a mão do redentor,
Roque na fogueira sem um coração
Toma a minha prece como extrema unção
O aço De La Torre vem pedir perdão,
A fúria da criolla com sangue nas mãos

Aháááááá
São índios e padres
São negros, mulheres, soldados

Aháááááá
Que adentram o rancho
E mateiam proseando ao meu lado

Guiam-se pela prece
Aos braços abertos na cruz,
Enquanto a vela aquece
Os sonhos que povoam
Esse rancho de luz

Dou-te o lume da vela a prece prometida
Aháááááá

Despedida

Despedida
(Jaime Vaz Brasil, Ricardo Freire)

Quando a guerra não foi mais que um simples jogo
Quando o medo fez mais cedo um outro escuro
E o futuro se fez logo ali, dobrando
Eu vi, amiga: era tarde.

Quando o mundo foi além do meu quintal
Quando a vida foi jornal e não história
E a memória fez a contramão do dia
Eu vi, amiga: era tarde.

Quando o vento não me fez abrir os braços
Ao abraço sideral de estar voando
E a pandorga me fugiu sem dizer quando
Eu vi, amiga: era tarde.

Quando o guarda que dormia nos brinquedos
Pôs o dedo no olhar da minha pressa
E quis ver o que a vida fez de mim
Eu vi, amiga: era tarde.

Quando a noite foi algema no meu sono
E eu, de dono, fui escravo de um relógio
E no pulso pus dilema e cotidiano
Eu vi, amiga: era tarde.

Quando o tempo foi julgado em outra lei
E a tristeza me beijou, tão natural
Nas paredes, no vazio fundo da casa
Eu vi, amiga: era tarde.

Muito tarde.

A Concha Das Horas


A Concha Das Horas
(Jaime Vaz Brasil, Ricardo Freire)

Leva o teu sorriso, por favor leva pra longe.
Leva o que puderes, leva as minhas dores todas.
Leva o teu olhar e leva o que mais achares
E eu acolherei, desta vez, o teu silêncio.

Guarda o teu amor, num lugar que não existe.
Deixa, eu mesma lavo o que nos sobrou de triste.
Pelo nosso quarto, pela cama no deserto
Eu vou sacudir o que dizem ser adeus.

Leva teu rancor, teu espelho mais antigo.
Leva o que couber no teu corpo tão vazio.
Deixa meus escudos. Deixa, eu fugirei do frio
Mesmo que viaje à neve das cordilheiras.

Mas a noite é longa, nas malas e nas tristezas.
Leva tudo agora, que a manhã não se demora.
Deixa, eu mesma espanto o que tanto ainda me cala
 E o teu desamor me dói mais quando nem falas.

Mas quem sabe amigo...
Um dia eu te lembre
No beijo esquecido
Na palma do tempo
Na concha das horas.