Mirada
(Lisandro
Amaral)
Nem o sol clareava bem a humildade dos
campeiros
E a milícia de tropeiros já ia ao
tranco na estrada;
Reinava a força dos pingo, pechando
pra São Domingos todo o vigor da boiada.
(A tropa lenta e manheira, pesava no
corredor,
E o empenho da culatra – cantava no
arreador -
E o capataz comandava, junto à poeira
que tapava, os que faziam fiador.)
CAMINHO largo aos que miram com olhos
de chegar cedo,
CAMINHO lento aos que enxergam as
distâncias de um tropeiro…
Mil e pico de boi gordo rumo ao céu de
uma charqueada;
Passo lento, feito todos, que meus
olhos bolicheiros,
Viram passar resmungando entre berros
e bocejos…
…junto ao destino de boi que leva a
própria carcaça
E deixa a imagem que passa chorando o
próprio cortejo…
Cria "dadonde" o mulato
corpo leviano num mouro?
E aquele feições de touro que, quando
ergue a soitera
Parece erguer a bandeira numa
"escramuça" de guerra?
Maior herói farroupilha se torna o
taura em vigília,
Num fiador ou na culatra, somente a
estampa relata
Donde vieram os pampeanos que empurram
bois e existência,
Pra terem mais que a experiência na
altivez de vaqueanos!
CAMINHO largo aos que miram com olhos
de morrer cedo,
MIRADA índia que enxerga a vida além
das janelas…
Um céu de maio nos ombros denuncia o
veranico;
Um bragado – pingo e pico – atrás de
um boi se desmancha quando a tropa negaceia,
Parece levar nas veias coragem abrindo
cancha, por crioula e libertária,
E a nobreza no combate que se escapa e
não se prancha
Por que traz de Gato y Mancha sua alma
hereditária.
Muitos anos de bolicho, tantos outros
de quilero
E me aquerenciei pulpero, dono de mim,
junto aos meus,
Numa linha de fronteira onde a altivez
campeira perpetuou-se em hombridade!
E as previsões de taperas que
assombram quem permanece:
Lavrando a boi – feito prece –
mariposeando a quietude
Mesmo que o campo se mude para
expandir-se a cidade…
Hão de beber humildade estes tropeiros
do nada,
Que sempre encontram aguada nos
descaminhos do rumo
Em pulperias pro fumo e goles de
madrugada!
CAMINHO lento que para junto ao balcão
do vendeiro,
AGUADA antiga que nutre a solidão de
um tropeiro…
Buenos dia!!!
- Da onde o fumo? Pergunta um, dos que
chegaram primeiro.
- De onde veio – lhe devo! Pro céu te
leva certeiro!
Num sorriso ergueu-se a face judiada
do forasteiro.
- Deste mesmo, um naco bueno, pra o
picumã do chapéu
Que dos perigos da estrada somente
quero a morada e o catre largo do céu!
- A canha sim te garanto a procedência
serrana;
De enfeitiçar querendonas e adormecer
no teu ninho.
- La pucha! Melhor que vinho! Disse o
segundo campeiro.
- Duas garrafas pulpero.
Que não me falte dinheiro pois quero
ainda umas bala.
Pois mais adiante se fala de um
povoado além do passo
E se não rondo – me passo – e adoço
alguma janela
Roubando alguma donzela pra descansar
no meu braço.
- Não facilita os cachorro te
manotearem do pala
E no lugar da donzela, tu te agarre
com o pai dela que gosta muito de bala.
Caminho largo que para pra algum
sorriso guardado,
Bolicho amigo que espera algum
tropeiro cansado!
Quatro mudanças de lua, somente quatro
estações…
Centenárias gerações: novo gado, outro
dono,
Sai verão, acorda outono… TROPA!!!
TROPA!!! Afina no cotovelo,
Que os arame do Curbelo tem mais
remendo que trama
E se apertá se derrama no outro lado
do potreiro!
VOLTA BOOOI!!!
Aboio largo se perdendo junto ao
tempo…
VENHA BOOOI!!!
Chamado errante do ponteiro que
caminha,
Convidando a tropa larga para o seu
próprio cortejo.
Resmunga o gado andarilho…
E o meus olhos bolicheiros enquadram
tropa e tropeiros.
Num veranico de maio pintei mais uma
aquarela…
MIRADA índia que enxerga a vida além
da janela…