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Relíquias do Afeto


Relíquias do Afeto
(Jean Allama, Charles Arce)

Repousa, em silêncio, a velha cidade,
Nos olhos sensíveis que a viram se erguer;
Os fatos que inspiram a luz da saudade
Resistem ao tempo, na voz do saber.

A estrada de terra, a carreta e o boi,
Arrastando o passado, no além, se emolduram,
Mas a viva memória do piá, que se foi,
É relíquia do afeto que os anos maduram.

A barca, o pesqueiro e a praia que havia,
As garças pousando nos sarandis junto às margens,
Os juncos e as pedras, a areia macia,
Revisitam os mates, reinventam paisagens.

Na herança que segue através da oratória,
Se enraízam ao peito figueiras frondosas,
Que ao tempo se impõem, sob o sol da história,
Sombreando dois vultos, parceiros de prosa.

As coisas mudaram na terra e na vida,
Os apertos de mão, a honra dos laços,
Os fiados na venda, a palavra cumprida
E o valor do caráter ficaram escassos.

O vento e as pipas, o céu e os cardeais,
O rio e os anzóis, o arvoredo e as goiabas,
O couro dos pés contra o chão dos quintais,
Sumiram na infância, feito um sonho que acaba.

Mas a velha cidade ainda guarda sementes,
Lançadas ao solo em datas que escolhe,
Depende dos conceitos que adubam as mentes,
Ao brotar da esperança, o futuro que colhe.

Por isso, de herança, a saudade que aflora
Da experiência do homem é lição e afeto,
E a Sete de Setembro da Guaíba de outrora
Tem luzes sensíveis nos olhos de um neto

Intérprete: Charles Arce