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A Meu Pai

A Meu Pai
(Afif Jorge Simões Filho, João de Almeida Neto)

Meu velho pai, com que desvelo outrora,
Me acalentaste o sonho de criança!
Eras a noite acalentando a aurora,
A saudade embalando uma esperança.

Parece que ouço ainda o teu preceito,
A tua voz pausada e emocional:
“Filho! Não fumes, que faz mal ao peito,
Não fumes filho, que o cigarro te faz mal”.

O teu filho cresceu, já faz poemas.
Sofre. E se chora o pranto rola em vão.
Vive dentro de um círculo de algemas,
Sem ter um gesto de libertação.

Continuo a pecar, meu pai. O mundo
Levou-me para o vício e para o nada.
Mas no fundo eu sou bom. Eu sou, no fundo,
Uma ingênua criança atrapalhada.

Tu és meu pai! A tua flama acesa
Palpita em mim, num milagroso brilho.
E eu sei que tenho um pouco de pureza,
Pela simples razão de ser teu filho.

Fiquei para sempre com esse olhar,
De guri desconsolado a olhar,
A olhar o terreno baldio,
De onde o circo partiu um dia antes.

A Defesa


A Defesa
(Afif Jorge Simões Filho, João de Almeida Neto)

Voltando de uma caçada,
Dentro da noite silente,
O acusado JVP
Cometeu a insensatez
De agarrar umas batatas
De uma lavoura lindeira,
Furtando pela primeira
E também última vez.

É de bons antecedente,
Como a defesa supunha
E não falta testemunha
Que lhe abone o proceder;
O JVP
É honesto, simples, pacato
E viver à beira do mato
Plantando para comer.

Mas todos têm o seu dia
De culo, como se diz,
E ele, pobre e infeliz,
Tentado por satanás,
Pôs no bolço umas batatas,
De vinte a trinta, calculo,
E no seu dia de culo
Foi descoberto, no más.

E foi um deus-nos-acuda,
Seu rancho foi revistado,
Veio um sargento fardado
Com pose de general
E o JVP,
Pacato, simples, honesto,
O filho do seu modesto
Foi processado, afinal.

E agora aqui me concentro,
Nestes versos sem beleza,
Para fazer a defesa
De tão pequeno ladrão;
Abro o código de lei,
Como se diz lá por fora
E peço, sem mais demora,
A sua absolvição.

JVP está inocente
E não merece a condena,
Porque está isento de pena
Pelo Código Penal;
Pois nestes tempos modernos,
De roubos, de negociatas,
Quem furta algumas batatas
É um retardado mental.

Ou então basta uma multa,
Porque o furto praticado,
De tão pequeno e minguado,
Coube em dois bolsos normais.
E que importa à parte lesada,
Mesmo pobre em bens terrenos,
Umas batatas a menos
Umas batatas a mais.

Por falta de dolo ou culpa
Que o crime caracterize,
Deixe passar o deslize
Até sem multa, Doutor;
Vossa Excelência é sensível,
E sabe em sua nobreza
Que a maior batata inglesa
Não vale.