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No Silêncio Das Taperas

No Silêncio Das Taperas
(Cristiano Medeiros, Adriano Medeiros)
                                                                              Amadrinhador: Benhur da Costa

O passado nos mostra concordâncias,
O poeta estava certo e eu não sabia...
“Os avós eram de carne e osso”.*
Hoje retorno ao meu antigo e bom
Tabernáculo de boa existência
Que guardou toda a genealogia
Daquilo que foi a minha maior
E mais nobre referencia humana.

Mais do que uma simples paisagem,
Alumbra os sentimentos e os ressábios
Que hoje sim, sabem os motivos...
De estar, incólume ante o pórtico,
Acho até que, sempre me acompanhou,
Ou ficou ali ensejando o meu retorno
Desde o dia que sai para vagar a esmo,
Na garantia de uma volta a querência.

Quem forçar as retinas da mirada,
Assim como eu posso fazer agora,
Poderá ver os movimentos concisos.
Mas, mirem bem para contemplar tudo.
Da mesma forma que estou a enxergar
E me parece, sim que tudo retorna!
Não como antes com vidas e cores
Mas, com o valor dos sentimentos.

A varanda ainda busca tardes calmas,
Há uma ausência presente, mateando sólita,
E a alma de uma antiga existência está
Enraizada na estampa dos meus avós.
Essas casas velhas e os seus mistérios,
Imunes ao tempo, jamais viram taperas.
Histórias passadas, cabedais de anseios,
Na memória gasta de antigas lembranças.

O medo se esconde pelas estruturas,
No rangido triste das portas gastas.
Na noite escura, por vezes, vaga o silêncio,
Junto às paredes nas molduras mortas.
A janela geme no sopro de algum vento,
Que chega de manso pra brincar no jardim.
Onde o ontem deixou eternos momentos,
Pra colher saudades, que tenho em mim.

Essas casas velhas que vestem passados
Avultam-se para guardar segredos tantos,
E são novos mistérios, sob velhos telhados
Em uma quietude tão cheia de medos.
As paredes qual fortim são timbradas
Não por cores ou cal caiada pelas mãos,
Mas por insígnias de honrarias e gestos,
Rudes e ao mesmo tempo nobres.

Os meus pés repisam antigas pegadas
Que adentravam pela sala e seguiam.
No assoalho quase não ficaram marcas,
Um caminho já meio desfeito em rumos,
Que mesmo o mais profundo dos anos
Não desmente o andar sóbrio e austero
Daqueles que por ali deixaram o toc-toc
De um taco de botas muito campeira.

O corredor era a artéria vital de ligação,
Onde pelas manhãs o aroma furtivo
Do pão caseiro recorria sem medo,
Vinha nos avisar que já estava disposto
Junto à mesa farta com o café de chaleira
E tantos doces no feitio de minha avó,
Feitos todos no velho fogão a lenha
Que nunca deixou morrer seu lume.

Os postigos davam vaza para o vento
Que vinha de longe, trazer um assovio,
Era um misto de assombro e sofreguidão.
Eu sempre perguntava de onde ele vinha?
Mas a casa, ela nunca se preocupava,
Por certo achava até bom receber a visita
Que chegava amadrinhada por invernias
Que acampavam lá no campo largo.

O pátio grande era um sem fim a parte
Onde eu me entregava para a brincadeira,
A figueira de fronte ao casarão nos dava
A sombra da tarde para o descanso do verão.
O pomar então, era a morada de corruíras,
Canários e bem-te-vis que faziam a festa.
E os sonidos das cantorias eram cheios
De resplendor e gloria entre frutas maduras.

O guaxo novinho andava sempre por ali,
Era uma simpatia alimentar os animais,
Assim como nós, eram cuidados pelo avô,
Sempre com zelo e um sorriso franco.
As galinhas ciscando pelo terreiro,
O cusco ovelheiro latindo lá no fundão
Como a dizer que chegava alguém
Pelos domingos de churrasco e marcação.

Quase não me lembro do sótão, sóbrio,
Calado, quase ausente na minha vivencia.
Mas, ele sabia das minhas cismas e medos,
Nas noites largas mandava os fantasmas.
Porém, eu dormia antes e não sabia de nada,
Afinal o quarto era protegido pela benção
Que sempre ganhava logo depois de orar
Para meu anjo da guarda, santo protetor.

Quando a chuva era uma constante
O nosso lugar era de fronte a lareira
A espera de mais um bolinho ou então
Outras histórias que a vovó contava.
Aquela do Boitatá e mais a outra
Do tropeiro que se perdeu no cerro
E recebeu a ajuda do Blau Nunes
Que por lá ficou na furna encantada.

Foram tantas histórias contadas por ali,
Outras tantas ainda por dizer ou lembrar,
Mas eu não deixei nunca de reviver
O que foi o meu mundo de diversão.
Um dia, quando eu me dei por conta,
Ao fustigar meus antigos pensamentos
Tentei atiçar o fogo das relembranças
Mas eram brasas, vivas, porém diminutas.

O mundo seguiu as andanças da vida
Meus avós partiram do mundo real
A querência se tornou ausente de mim
E ali dentro dela ficou alguma coisa.
Como que pedindo vaza na cancha
Sem ao menos olhar para trás, me fui...
Esperando nunca confrontar o de antes,
E não sei mais o que foi feito do tempo.

Mas sei sim o que foi feito de mim.
Recebi marcas e sogaços da saudade
Qual o redomão que nega o estrivo.
Daquela velha tapera disposta ao léu
Ficaram alguns restolhos de paredes.
Mas eu tenho certeza de uma coisa
As lembranças, estas não morrem nunca,
Pois sempre as levo junto comigo!

* Fragmento do poema Canto aos Avós de Apparicio Silva Rillo


Declamadora: Thayná Soares Rabaioli