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RETRATO DO JOÃO CUIUDO

Título
RETRATO DO JOÃO CUIUDO
Compositores
LETRA
JAYME CAETANO BRAUN
MÚSICA
LUIZ MARENCO
RODRIGO MACHADO
Intérprete
LUIZ MARENCO
Ritmo
VANEIRA
CD/LP
10ª COXILHA NATIVISTA
Festival
10ª COXILHA NATIVISTA
Declamador

Amadrinhador

Premiações
MÚSICA MAIS POPULAR

RETRATO DO JOÃO CUIUDO
(Jayme Caetano Braun, Luiz Marenco, Rodrigo Machado)

Nasci feio como um susto
Parido com pelo e tudo
Filho da Dona Nicacia, neto do veio trançudo
O chinaredo do rancho me chama de João cuiudo

No bagual de mais corincho
Meto as garra e quebro o galho
E saio mais entonado do que conde de baralho
Cansei de acabar bochincho cortando a gaita num talho

Encilho até lixiguana
Depois que peço a bolada
Me grudo se me dá gana, me solto quando me agrada
Lembro até uma castelhana que trochei duma dentada

Que me importa o macheril
Quando a volta se desmancha
Nos mais taura, dou de fio, nos mais fraco, dou de prancha
E parte do meu feitio ficar de dono da cancha

Se me falta água de cheiro
Me tapo de criolin
Não é culpa de ninguém, foi Deus que me fez assim
E há sempre um lote de china correndo atrás de mm

A cordeona que floreio
Numa vaneira jesuíta
Se encordoa num roreio que nem teto de mulita
Como é que um índio tão feio toca marca tão bonita

A guitarra que eu ponteio
Com esses dedos de veludo
Se acomoda sem receio no meu peito cabeludo
E o verso sai como veio da alma do João cuiudo

Tanta coisa nasce linda
Depois não tem serventia
Se a feiura fosse crime o feio não existia
Se eu não prestasse pra nada, ficava pra tirar cria.


Geadas

Geadas
(Jayme Caetano Braun, Leonel Gomez, Márcio Rosado)

A geada é o preço que jamais desconta
Nem mesmo um real no gauderiar que entangue
Branqueia tauras e regela o sangue
Mas se derrete quando o sol desponta.

Se faz espelho no lagoão da sanga
Adoça as frutas e madura o trigo
Cinza do tempo que nos encaranga
Paguei o preço de brincar contigo.

Vai-se um ano, mais outro, não me iludo
Foram tantas lichiguanas pelegueadas
Eu sinto frio, mas apesar de tudo
O meu destino é andar quebrando geadas.

Iguais as que quebrei na juventude
Pisando vidros nas manhãs de gelo
As mesmas geadas da gamela do açude
Trago comigo esfarinhadas no cabelo.

Manta gelada que não tem fragrância
E se faz água pra morrer neblina
As geadas pretas que esmaguei na infância
Viraram cinzas pra branquear minha crina.



Intérpretes: Shana Muller, Joca Martins, Luiz Marenco


Mateando

Mateando
(Jayme Caetano Braun)

Meu patrício,aí foi o mate
Vá chupando despacito
Que é triste matear solito
Quando a velhice nos bate
Por isso, neste arremate
Que chegou no arrepio
Meu velho peito vazio
Que já teve tanta dona
Ressonga que nem cordeona
Nos bailes de rancherio

Não é que me falte fibra
Nem firmeza no garrão
Pois meu velho coração
Bem com passado ainda vibra
Quem gastou libra por libra
Da sorte fazendo alarde
Não cala por ser covarde
Nem chora por ser manheiro
Lamenta el sol verdadeiro
Que vai borcando na tarde

A saudade, essa punilha
Que vai nos roendo canal
Esse caruncho infernal
Que fura até curunilha
É a derradeira tropilha
Da vida martironiada
Que chegando ao fim da estrada
Se dá conta num segundo
Que veio e vai deste mundo
Sofrendo a troco de nada

É triste matear sozinho
De tarde ou de madrugada
Amargando a paleteada
De algum passado carinho
Como dói lembrar o ninho
Que o tempo levou na enchente
Mas porém deixou semente
De tristeza e de amargura
Pra reviver a ternura
De alguém que já foi da gente

É por isso meu Patrício
Que não mateio solito
Embora o verde bendito
Pra mim seja mais que vício
É o meu último munício
Que não dispenso, nem largo
E peço a Deus, sem embargo
Da xucreza do meu canto
Que no céu me guarde um santo
Parceiro pra um mate amargo


Dúvidas Brasinas

Dúvidas Brasinas
(Jayme Caetano Braun, Lúcio Yanel)

Meu irmão de crinas brancas
D'onde vem a rebeldia
Das gerações de hoje em dia
Subindo pelas barrancas

Será que são diferentes
Que as nossas rebeldias
Usando outras geografias
Sonhando outros continentes

Será que com sol e vento
Nosso couro se curtisse
E a gente ao menos não visse
Que somos frutos do tempo

Será que ao matar fronteiras
Aos filhos e descendentes
Não fomos imprevidentes
Esquecendo outras maneiras

Será que cuidando a lida
Com rubeis e cavalos
Esquecemos de norteá-los
Para as tropeadas da vida

Que será que mudou tanto
Meu irmão crina prateada
De onde vem esta tonada
E essa revolta no canto

Será que nos excedemos
Ao falar em liberdade
Quando foi fraternidade
A herança que recebemos

Nestas dúvidas brasinas
Eu penso correr das luas
Será, meu irmão de crinas
Que não perdemos as duas?

Será, meu irmão de crinas
Que não perdemos as duas?


Querência, Tempo e Ausência

Querência Tempo e Ausência
(Luiz Marenco, Jayme Caetano Braun)

No cartão de procedência
Pouco importa onde nasci
Busquei rumo e me perdi
Querência minha querência
Desde então me chamo ausência
Porque me apartei de ti

Como um cavaleiro andante
Das léguas que caminhava
Sempre que me aproximava
Dos sonhos correndo adiante
Mas me sentia distante
Daquilo que procurava

Quem vira mundo não para
Nem tão pouco desanima
Há uma lei que vem de cima
Na estrada do tapejara
Tempo que nos separa
É que mais nos aproxima
Quem vira mundo não para
Nem tão pouco desanima

E neste andejar em frente
Sem procurar recompensa
Fui vendo na diferença
Entre passado e presente
Que a lembrança de um ausente
Tem mais força que a presença

Já no final da existência
Saudade tempo e distancia
Pra conservar a fragrância
Da primitiva inocência
Me tornei canto de ausência
Querência da minha infância
Quem vira mundo não para...


Bochincho

Bochincho
(Jayme Caetano Braun)

A um bochincho, certa feita
Fui chegando, de curioso,
Que o vício é que nem sarnoso,
Nunca pára, nem se ajeita.
Baile de gente direita
Eu vi, de pronto, que não era,
Na noite de primavera
Gaguejava a voz dum tango
E eu sou louco por fandango
Que nem pinto por quirera.

Atei meu zaino, longito,
Num galho de guamirim,
Desde guri fui assim,
Não brinco nem facilito.
Em bruxas não acredito
Pero  que las hay, las hay,
Sou da costa do Uruguai,
Meu velho pago querido
E por andar desprevenido
Há tanto guri sem pai.

No rancho de santa-fé,
De pau-a-pique barreado,
Num trancão de convidado
Me entreverei no banzé.
O chinaredo à bola-pé,
No ambiente fumacento,
Um candeeiro, bem no centro,
Num lusco-fusco de aurora,
Pra quem chegava de fora
Pouco enxergava ali dentro!

Dei de mão numa tiangaça
Que me cruzou no costado
E já saí entreverado
Entre a poeira e a fumaça,
Oigalê china lindaça,
Morena de toda a crina
Dessas da venta brasina,
Com cheiro de lechiguana
Que quando ergue uma pestana
Até a noite se ilumina.

Misto de diaba e de santa,
E uns ares de quem é dona
E um gosto de temporona
Que traz água na garganta.
Eu me grudei na percanta
O mesmo que um carrapato
E o gaiteiro era um mulato
Que até dormindo tocava
E a gaita choramingava
Como namoro de gato.

A gaita velha gemia,
Às vezes quase parava,
De repente se acordava
E num vanerão se prendia
E eu, contra a pele macia
Daquele corpo moreno,
Sentia o mundo pequeno,
Bombeando cheio de enlevo.
Dois olhos, flores de trevo
Com respingos de sereno.

Mas o que é bom se termina
Cumpriu-se o velho ditado,
Eu que dançava embalado,
Nos braços doces da china
Escutei de relancina,
Uma espécie de relincho,
Era o dono do bochincho,
Meio oitavado num canto,
Que me olhava com espanto,
Mais sério do que um capincho.

E foi ele que se veio,
Pois era dele a pinguancha,
Bufando e abrindo cancha
Como dono de rodeio.
Quis me partir pelo meio
Com um talonaço de adaga
Que, se me pega, me estraga,
Chegou levantar um cisco,
Mas não é à toa, chô misco! 
Que eu sou de São Luiz Gonzaga!

Meio na curva do braço
Consegui tirar o talho
Mas quase que me atrapalho
Porque havia pouco espaço,
Mas senti o calor do aço
E o calor do aço arde,
Me levantei, sem alarde,
Por causa do desaforo
E soltei meu marca touro
Num medonho buenas tarde.

Tenho visto coisa feia,
Tenho visto judiaria,
Inté hoje inda me arrepia
Lembrando aquela peleia,
Talvez quem ouça, não creia,
Mas vi nascer no pescoço,
Do índio do berro grosso
Como uma cinta vermelha
E desde o beiço até a orelha
Ficou relampeando o osso

E o índio era um índio touro,
Mas até touro se ajoelha,
Cortado do beiço à orelha
Amontoou-se como um couro
E, amigos, foi um estouro,
Daqueles que dava medo,
Espantou-se o chinaredo
E aquilo foi uma zoada,
Parecia até uma eguada
Disparando num varzedo!

Não há quem pinte o retrato
Dum bochincho, quando estora,
Tinidos de adaga e espora
E gritos de desacato.
Berros de quarenta e quatro
De cada canto da sala
E a velha gaita baguala
Num vanerão pacholento,
Fazendo acompanhamento
Do turumbamba de bala.

É china que se escabela,
Redemoneando na porta
E xiru da guampa torta
Que vem direito à janela,
Num grito  de toda a goela, 
Num berreiro alucinante,
Índio que não se garante,
Vendo sangue se apavora
E se manda campo afora,
Levando tudo por diante.

Sou crente na divindade,
Morro quando Deus quiser,
Mas amigos, se eu disser,
Inté periga a verdade,
Naquela barbaridade,
De chinaredo fugindo,
De grito e de balas zunindo,
O gaiteiro, alheio a tudo,
Tocava um xotes clinudo,
Já quase meio dormindo.

E a coisa ia indo assim,
Balanceei a situação,
Já quase sem munição,
E todos atirando em mim.
Vi qual ia ser o meu fim,
Me dei conta, de repente,
Não vou ficar pra semente,
Mas gosto de andar no mundo,
Me esperavam lá nos fundos, 
Saí na porta da frente...

E dali ganhei o mato,
Abaixo de tiroteio
E inda escutava o floreio
Da cordeona do mulato
E, pra encurtar o relato,
Eu me bandeei pra o outro lado,
Cruzei o Uruguai a nado,
Pois o meu zaino era um capincho
E a história desse bochincho
Faz parte do meu passado.

E a china? Nunca mais vi
No meu gauderiar andejo,
Somente em sonhos a vejo
Num bárbaro frenesi.
Talvez ande por aí,
No rodeio das alçadas,
Ou, talvez, de madrugada,
Seja uma estrela xirua
Dessas que se banha nua
No espelho das aguadas.





Bochincho - Noel Guarany by Guascaletras

Vaneira da Bossoroca


Vaneira da Bossoroca
(Jayme Caetano Braun, Pedro Guerra)

Velha vaneira baguala que estufa os foles da gaita
Riscada de unha de taita, cheia de furo de bala
Tomando conta da sala o mesmo que lagartixa
E o chinaredo cochicha quando seu ronco se cala

Se mistura no balanço a poeira do chão batido
E os babados do vestido corcoveiam sem descanso
E o índio metido a ganso grudado a fita vermelha
Fica boqueando na orelha num jeitão de sorro manso

A fumaça do candeeiro se adelgaça e se esparrama
Perseguindo alguma dama de sorriso feiticeiro
E nunca falta um salseiro, é tradição secular
E os índios que vem mamar na garrafa do gaiteiro

Vaneira que nasceu guacha na caixa de uma cordeona
Mamando numa siá dona dessas que escondem a graxa
Andou na pampa buenacha queimada de sol e brasa
E quando não tinha casa dormia dentro da caixa

Nos comércios de carreira nos velórios e carpeta
Sob a quincha das carretas ouvindo truco e primeira
Nos bochinchos de fronteira nunca vai faltar um taita
Pra dar um talho na gaita e deixar livre a vaneira

O próprio índio que toca esta vaneira machaça
É um sacerdote da raça nas bruxarias que invoca
E os arrepios que provoca neste galope estendido
Nos levam ao chão batido dos ranchos da bossoroca


Filosofia de Andejo

Filosofia de Andejo
(Jayme Caetano Braun, Luiz Marenco)

Frente ao caminho me calo, e o pensamento sofreno
O mundo é muito pequeno, pras patas do meu cavalo
Nesta jornada terrena, aprende muito quem anda
Sempre que a alma se agranda a estrada fica pequena

A carpeta da distância é a escola do jogador
Se invide mais de um amor, mas só se perde uma infância
O jogo da redoblona é a lei maior do combate
Nunca se agradece o mate, se tem água na cambona

Por escondido que seja, o rancho que tem bailanta
Guitarra, gaita e percanta, meu flete sempre fareja

O amor ao chão não tem preço, se aprende deste piazito
O brabo é achar o caminho, pra retornar ao começo
Onde há vaca existe touro, este é o primeiro decreto
E até o mais analfabeto sabe brincar de namoro

Por escondido que seja, o rancho que tem bailanta
Guitarra, gaita e percanta, meu flete sempre fareja
Eu penso, penso e repenso ninguém nasceu pra ser mau
Quem usa freio de pau, é por gostar do silêncio

Deve haver algum feitiço, depois que o tempo nos laça
O mundo não tinha graça se a vida fosse só isso
Frente ao caminho me calo, e o pensamento sofreno
O mundo é muito pequeno, pras patas do meu cavalo



Meu Rancho


Meu Rancho
(Jayme Caetano Braun, Noel Guarany)

É a sina dos tapejaras
Essa de beber mensagens
Que o vento traz nas aragens
Do fundo da noites claras
Bordoneando nas taquaras
Ou pelas frinchas da porta
Porque reanima e conforta
O velho sangue guerreiro
E se eu nasci missioneiro
O demais pouco me importa.

Nasci no meio do campo,
Na costa do banhadal
Dentro dum rancho barreado,
De chão duro e desigual
Meu berço foi um pelêgo
Sobre um couro de bagual!

Bebi leite na mangueira
Numa guampa remachada
E acavalo num tição
Me aquentei de madrugada
Enquanto o vento assobiava
Nos campos brancos de geada!

Brinquei com gado de osso
Na sombra do velho umbu
E assim volteando um amargo
E o churrasco meio cru,
Fui crescendo e me orgulhando
De ter nascido um chirú!

Depois de andar gauderiando
Por muita querência estranha
Hoje vivo no meu rancho
Na humildade da campanha
Junto a chinoca querida
E um cusco que me acompanha!

Na estaca em frente do rancho
Dorme o pingo meu amigo
Companheiro que eu adoro,
Prenda guasca que bendigo
Pois alegrias e penas
Sempre reparte comigo!

É meu vizinho de porta
Um casal de quero-quero
Por isso, embora índio pobre,
Bem rico me considero:
Tendo china, pingo e cusco
No mundo nada mais quero!

E quando de noite a lua
Vem destapando meu rancho
Agarro na gaita velha
Que guardo erguida no rancho
E dando rédeas ao peito
Num vanerão me desmancho!

E meu verso é como o vento
Que vai dobrando as flexilhas
E floreia compadresco
O hino destas coxilhas
Entre os buracos de bala
Do pavilhão farroupilha!

É mesmo que bombeador
Dos piquetes de vanguarda
Que vem abrindo caminho
Pelas tropas da retaguarda.
Enquanto a cordeona chora
Meu cusco fica de guarda!

E ali pela solidão
Onde meu canto escramuça
Parece que a noite velha
Cheia de mágoas soluça
E a própria lua pampeana
No santa fé se debruça!

Mas pra deixar o sossego
Do meu rancho macanudo
Basta só a voz de um clarim:
Com china e cusco me mudo
Pra defesa do Rio Grande
Que adoro acima de tudo.

Vassoura de Guanxuma


Vassoura de Guanxuma
(Jayme Caetano Braun, Luiz Marenco)

Esta mania de varrer meio tapeado
Me vem dos tempo da vassoura de guanxuma
Quando pionava no rincão do gado alçado
Marca saudade que maneio uma por uma!

Estância grande da potrada caborteira
Que corcoveava no sentar prendendo o berro
De noite e dia o transfogueiro de pau ferro
Guardando a chama da vivência galponeira!

Cancha dos tauras mal varrida e mal aguada
Na sacristia memorial da raça antiga
Cupim batido das caseira de formiga
Com risco fundo de chilena enferrujada!

Mal repontados com misturas com graveto
Ciscos de crinas de pêlos e cavaco
Graxa queimada na cinza dos buracos
Entre as cravadas das marcas dos espetos.

Andei caminhos porque andar mal acostuma
Tenteando rumo pra enfrentar um tempo novo
E me dei conta que na alma do meu povo
Ficaram riscos da vassoura de guanxuma