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LOUCO

 

TÍTULO

LOUCO

COMPOSITORES

LETRA

VAINE DARDE

INTÉRPRETE/DECLAMAÇÃO

ROMEU WEBER

RITMO

DECLAMAÇÃO

CD/LP

1ª TROPEADA DO CANTO E VERSO SULINO

FESTIVAL

1ª TROPEADA DO CANTO E VERSO SULINO

AMADRINHADOR

HENRIQUE SCHOLZ

PREMIAÇÃO

3º LUGAR

 LOUCO

(Vaine Darde)
 
Eles me interditaram...
Afastaram-me das domas,
Não me deixaram usar adaga,
Nem, sequer, cuidar do fogo...
E conspiraram contra mim
Com silêncio e solidão.
 
Pois alegam, uns aos outros,
Que me tornei perigoso
Desde quando me encontraram
Conversando com as ovelhas,
Desde quando descobriram
Que eu cultivo girassóis
Por devoção às abelhas.
 
Dizem que ando variando
Com milongas circulares
Na canção dos cata-ventos,
Que fiquei de miolo mole
E me desfiz das esporas
Por ter pena dos cavalos...
 
Proibiram-me transpor
Os limites da porteira
Numa espécie de desterro
Que me exila na querência.
Mas, eu sei que eles não sabem
Que os olhos de quem sonha
Vêem além dos horizontes...
 
Eles dizem que sou louco
Porque vago pela estância
Conferindo cada ninho
Onde os vôos eclodiram,
Fazendo tenda do pala
Sobre o topo das coxilhas
Pra navegar nas estrelas
Nessas noites de verão...
 
(Imagina se soubessem que eu carrego,
nos pessuêlos, uma colméia de versos...)
 
Mas enquanto eles proseiam
Agrupados no galpão,
Para encantar meu silêncio
O vento canta pra mim,
As sangas cantam pra mim,
Os grilos cantam pra mim.
 
Enquanto eles, que se julgam certos,
Tomam mates sonolentos
Com a água da cacimba.
Eu, numa cambona de açude,
Sorvo a lua num porongo
E povôo a solidão
Com as ausências que me habitam.
 
Eu embrulho a palavra
Numa folha de papel
Onde guardo traduções de ocasos e auroras,
Onde exponho meu silencio
Com zumbidos de abelha
E confesso a ternura
Que dedico aos que me odeiam.
 
Eu trabalho mais que eles.
Sou só um nas sesmarias
Pra saber de cada flor,
Pra saber de cada pássaro
Com que o campo sinaliza
E os outros não percebem...
 
Eles, sequer, reparam
Quanto sol de cada dia
Se acumula nas laranjas,
Que porção de lua cheia
Se derrama em frenesi
Na gestação da semente.
Eu, sim, eu sou livre entre
o campo e as estrelas,
Eu sei todos os caminhos
que a querência me revela
Porque vivo além de mim
O que a vida me concede.
 
Mas, se louco é ser dono de si mesmo
E saber que as laranjeiras
Choram lagrimas de pétalas
Num cio vertiginoso
De excessiva floração,
É ter consciência plena
Que a loucura é a poesia
Que, por não caber no peito,
Se extravasa em dialetos
E ilumina seus eleitos:
 
Então eles estão certos:
Eu sou mesmo perigoso,
Uma ameaça constante
De povoar o galpão
Com guitarra e arco-íres,
E abelha, e girassol.
 
Não , não é a mim que eles temem
Porque sabem inofensivo
Meu delírio musical...
O que eles não suportam
É aceitar a realidade
De um louco ser feliz.



 

Relicário

Relicário
(Marcelo D’Ávila)                                                        Amadrinhador: Henrique Scholz

Meu simples galpão de estância
Guarda lembranças antigas
Em cada nesga de história
Pendurada na parede;
Restos de tempo e memória
Que em rondas quase esquecidas
Reculutei nas distâncias
Em primaveras mais verdes.

Essas relíquias cravadas
No cerne da costaneira
São como livros abertos
Trazendo causos de campo:
Recuerdos vagos, incertos,
Que ao pé de algum fogo bueno
Um viejo de alma embrujada
Contava pra os pirilampos.

Meu galpão é um relicário
Com tesouros bem guardados...

Nas rudes obras de arte
Há uma cambona retinta
Mal sustentada na alça
Pregada à madeira crua:
Quantas noites repetidas
Se aquerenciou entre as brasas
Pra esquentar a água do mate
Sob o candeeiro da lua.

Ao lado, preso de um tento,
Um par de rosetas gastas
Lembra estrelas temporonas
Clareando o céu do galpão;
Vão longe as tardes de doma
Em que as esporas de prata
Riscavam o lombo tenso
De algum bagual redomão.

Acomodado num canto,
Em seu mutismo de sombra,
Um rádio a válvula espera
Que alguém venha despertá-lo:
Nunca mais uma milonga
Sobre ginete e cavalo!
Neste silêncio, o espanto
De quem se sabe tapera.

Também enfeita a parede
Uma guampa retorcida
Que fez as vezes de lança
Em bravas brigas de touro -
E hoje, depois de curtida,
É o pote pra canha branca
Que sempre mata minha sede
Quando desfilo no mouro.

Lá fora, bem junto à porta,
Onde o sol brinca de artista
Desenhando silhuetas
Entre as janelas fechadas
Uma roda de carreta -
Com as raias gastas e tortas –
Recorda quieta, intimista,
Seu tempo de carreteadas.

Tantos espólios da lida
Que o tempo juntou aos poucos
Neste campeiro inventário
Em madeira emoldurado;
Se os poetas, como os loucos,
Inventam sua própria vida,
Meu galpão é um relicário
Com tesouros bem guardados...

Nas tardes frias de junho
Quando o sol dorme mais cedo
E um chimarrão a capricho
Vem trazer reminiscências
Eu adivinho os segredos
Que se escondem pelos nichos
E me planto, mais terrunho,
No ventre da minha querência.

E quando a china maleva
Que tropeia a campo fora
Me pealar nessas andanças
Nos rumos da imensidão,
Será chegada minha hora –
Da vida nada se leva! –
Eu também serei lembrança
Nas paredes do galpão.


Declamador: Valdemar Camargo